Tuberculose: a infecção mais mortal do mundo
O diagnóstico é fácil e o tratamento cura. Mesmo assim, a doença ainda faz estrago por aí. Veja seus sintomas e o que falta para ela virar coisa do passado
Muito antes de se tornar destino turístico badalado no inverno, a cidade paulista de Campos do Jordão cresceu e ganhou fama por abrigar pacientes com tuberculose. Desde a segunda metade do século 19, acreditava-se que o ar frio e puro de suas montanhas era o melhor tratamento contra o Mycobacterium tuberculosis, o bacilo de Koch, bactéria que invade os pulmões e provoca danos potencialmente fatais, além de sintomas bem desagradáveis.
Em poucas décadas, foram construídas casas de repouso grandes e luxuosas para atender os clientes ricos, enquanto os mais pobres eram acolhidos em sanatórios mantidos por associações de caridade. “O fluxo de pessoas aumentou tanto que o governo do estado de São Paulo construiu na década de 1910 uma linha de trem até o município, a pedido dos famosos médicos sanitaristas Victor Godinho e Emílio Ribas”, conta a historiadora Ana Enedi Prince, da Universidade do Vale do Paraíba (SP), autora de quatro livros sobre esse período.
Com o passar dos anos, a prática da chamada climaterapia, tão em voga em Campos do Jordão e outras localidades, como a Suíça, perdeu força pela falta de evidências sobre sua eficácia. Além disso, a chegada dos antibióticos, nos anos 1940, revolucionou de verdade esse campo da medicina e permitiu que os indivíduos acometidos fossem curados.
Porém, engana-se quem pensa que essa moléstia seja um assunto superado: em pleno século 21, 70 mil brasileiros continuam a ser diagnosticados todos os anos com a condição — sete pessoas a cada hora! Desses, 4 500 morrem. No mundo, são 10 milhões de casos a cada 12 meses e 1 milhão de óbitos. Números tão expressivos fazem da tuberculose o quadro infeccioso que mais mata no planeta.
Quem são as pessoas mais afetadas pela tuberculose?
Transmitida por meio de gotículas que saem da boca e do nariz, a tuberculose se espalha fácil: estima-se que o bacilo de Koch esteja presente nos pulmões de pelo menos um terço da humanidade. Mas por que alguns desenvolvem a doença e, em outros, ela permanece silenciosa?
“Isso está relacionado ao sistema imunológico de cada um. Quem não se alimenta bem, por exemplo, não responde à invasão de maneira adequada”, explica a epidemiologista Ethel Leonor Maciel, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Indígenas em situações precárias, indivíduos infectados com HIV sem tratamento adequado e pessoas privadas de liberdade ou em situação de rua estão sob risco muito maior de sofrer a pane respiratória.
A condição é frequente nos países mais pobres do globo. Ela se desenvolve justamente em favelas e cortiços, locais com pouca circulação do ar e grande concentração de habitantes. Quem mora nesses lugares pena com a falta de dinheiro para se alimentar e não tem um serviço de saúde de qualidade. Tanto é que pequenas melhorias na condição social já são decisivas para uma queda nos números.
Um estudo da Ufes, publicado no periódico científico The Lancet, mostrou que o Bolsa Família, estratégia que fornece uma verba extra a cidadãos de baixa renda, aumentou as taxas de cura da tuberculose em 8%. Esse dinheiro talvez permita uma dieta mais saudável ou sirva para pagar o transporte até os consultórios e clínicas onde é feito o acompanhamento.
Por mais que esses grupos sejam prioritários, cabe ressaltar que a infecção não distingue classe social: até famosos, como o zagueiro da seleção Thiago Silva e a cantora Simaria (que faz dupla com Simone), foram afetados nos últimos anos.
“E quem sofre com doenças crônicas, como diabetes e artrite reumatoide, ou usa remédios que abalam o sistema imune também precisa ficar atento e fazer testes periódicos”, recomenda o médico Olavo Henrique Munhoz, da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Como funciona o diagnóstico e o tratamento
O recado que fica é: se estiver com tosse constante por mais de duas semanas, procure um médico para avaliar a situação. Os exames que flagram a bactéria são relativamente simples. Quando a suspeita é maior, o médico também pede uma radiografia do tórax.
Há ainda métodos mais modernos chegando ao mercado, como uma análise de sangue desenvolvida pela empresa EuroImmun. “Ela identifica até os quadros latentes, que não dão sintomas”, destaca Gustavo Janaudis, diretor executivo da companhia.
Se a moléstia for detectada, a boa notícia é que na maioria das vezes o tratamento tem poder curativo. E o melhor é que ele está disponível para todos na rede pública — não é nem possível comprar remédios antituberculose em farmácias, pois todo o processo é regulado e padronizado pelo Ministério da Saúde.
“Nos primeiros dois meses, prescrevemos quatro fármacos. Nos quatro meses seguintes, é necessário tomar dois medicamentos”, descreve o microbiologista Pedro Eduardo da Silva, vice-presidente da Rede-TB, associação que reúne profissionais da saúde interessados no tema. Isso vale para adultos e é preciso persistir nos comprimidos durante um semestre para evitar que a doença volte mais forte algum tempo depois.
A estratégia atual é bastante eficiente. Porém, ainda restavam algumas situações em que, mesmo com o extenso arsenal de drogas, os bacilos continuavam a tocar o terror. Mas até esse cenário ganhou uma alternativa, com a recente aprovação da bedaquilina, da farmacêutica Janssen, a primeira novidade contra a tuberculose dos últimos 50 anos.
“Ela será utilizada nos casos especiais que são multirresistentes às opções disponíveis hoje como padrão”, esclarece a pneumologista Margareth Dalcolmo, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro.
Essa novidade e outras que estão por vir, como princípios ativos e vacinas que passam por pesquisas, serão decisivas para a gente alcançar as metas da Organização Mundial da Saúde: diminuir em 90% o número de casos e em 95% a mortalidade da tuberculose até 2035.
“Para alcançar isso, montamos um plano nacional em que estipulamos diferentes cenários e recomendações para que cada cidade melhore a sua rede de assistência”, conta a infectologista Denise Arakaki, responsável pelo planejamento das ações contra a doença no Ministério da Saúde.
A tuberculose não é mesmo coisa do passado… E vai depender de um esforço conjunto para ela não comprometer nosso futuro.
O poder da vacina BCG
Aplicada logo nos primeiros dias do bebê, ela é essencial para evitar os quadros mais graves de tuberculose na infância. A injeção costuma deixar uma marquinha no braço, que muitas pessoas carregam pelo resto da vida.
Mais recentemente surgiu a dúvida: quem não tem a tal cicatriz deve tomar um reforço desse imunizante? Não precisa! Uma dose já é suficiente para ganhar proteção.
A história da tuberculose
8000 a.C.: fósseis humanos pré-históricos encontrados em escavações na Alemanha revelam indícios da doença já nessa época.
Século 14: médicos da região onde fica a atual Itália publicam as primeiras evidências de que o quadro é contagioso.
1751: o então rei da Espanha, Fernando VI, exige que os tuberculosos sejam completamente isolados do restante da sociedade.
1882: o cientista prussiano Robert Koch descobre o micro-organismo causador, que ganha seu sobrenome.
1940: são lançados os primeiros remédios efetivos contra a condição, que abrem a possibilidade de cura.
2006: a incidência da moléstia sobe em várias regiões do mundo em razão do aumento da pobreza e da epidemia de HIV.
Metas da OMS
2035: reduzir em 95% a mortalidade e em 90% o número de casos.
2045: exterminar a doença.
Fonte: Comissão de Tuberculose da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia