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Transmissão comunitária de coronavírus desde fevereiro? O que muda agora

Estudo estima que o coronavírus já estava se espalhando pelo Brasil bem antes do primeiro caso confirmado oficialmente. Saiba o que isso significa

Por Theo Ruprecht e Maria Tereza Santos
Atualizado em 3 set 2020, 18h19 - Publicado em 12 Maio 2020, 15h01
transmissao coronavirus
Pelo visto, o coronavírus já circulava no Brasil um bom tempo antes de o primeiro caso oficial ser detectado. (Foto: SAÚDE/SAÚDE é Vital)
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O Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso de infecção pelo coronavírus no dia 26 de fevereiro, após o Carnaval. Mas uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz, da Universidade Federal do Espírito Santo e da Universidad de la República (Uruguai) estima que já havia uma transmissão comunitária no Brasil desde o dia 4 de fevereiro.

Antes de debater o significado desse levantamento, convém entendê-lo melhor. Os cientistas começaram avaliando quando o número de mortes no nosso país cresceu para além do esperado, um indicativo de que a pandemia já vinha provocando estragos. A partir desses dados, da taxa de mortalidade da Covid-19 e do fato de que, em média, ela demora cerca de três semanas para levar ao óbito, os experts calcularam quando já haveria um número considerável de infectados que justificasse o excesso de mortes observado.

Isso foi feito para Brasil, China, Bélgica, França, Alemanha, Itália, Holanda, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos. “Nossas descobertas sugerem que a transmissão comunitária teve início no meio de janeiro na Itália e entre o fim de janeiro e o começo de fevereiro nos outros países”, escrevem os autores, no artigo.

Paulo Eduardo Brandão, virologista da Universidade de São Paulo (USP) que não esteve envolvido com o trabalho, pondera que essa investigação não permite cravar uma data exata da disseminação local, até porque não houve a realização testes propriamente. Entretanto, ele reconhece que, em tempos de pandemia, uma pesquisa como essa se torna mais confiável — ora, é provável que o excesso de mortes, que serviu de base para as estimativas, decorra de uma doença inexistente no passado e que agora está causando estragos. É o caso da Covid-19.

Dito de outra forma, talvez a transmissão comunitária no Brasil tenha ocorrido um pouco antes ou um pouco depois do dia 4 de fevereiro. Ainda assim, o estudo traz um forte indicativo de que o coronavírus já circulava por aqui consideravelmente antes do Carnaval e das primeiras medidas governamentais de isolamento social, que ocorreram no dia 13 de março.

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Qual o significado dessa descoberta?

Segundo essa pesquisa, a transmissão comunitária no Brasil estava ocorrendo 22 dias antes do primeiro caso confirmado oficialmente. Entre os países avaliados, só Estados Unidos (24 dias) e China (25 dias) demoraram mais. E convém destacar que o território chinês foi o primeiro a ser afetado pelo Sars-CoV-2 — sempre é mais complicado diagnosticar uma doença que você não está esperando.

“Isso sugere que estávamos menos preparados. Nós perdemos tempo acreditando que o vírus não chegaria aqui ou que demoraria a desembarcar. E que o calor do Brasil impediria sua disseminação”, lamenta Brandão. “São equívocos pelos quais mortos e doentes estão pagando agora”, critica.

Segundo Brandão, não há como descartar que o Carnaval tenha potencializado a transmissão do coronavírus. Se esse agente infeccioso estava mesmo circulando com certa intensidade no fim de fevereiro, a proximidade dos foliões em bloquinhos e as viagens pra lá e pra cá podem ter contribuído para o espalhamento da enfermidade.

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Perguntamos a esse especialista se os achados do trabalho brasileiro mudariam a forma como a pandemia vem sendo combatida. “Acredito que sim, porque o estudo sugeriria que o vírus está muito mais disseminado. Isso elevaria a necessidade de medidas como distanciamento social e pesaria na predição de quando haverá uma resolução do atual pico”, responde.

Investir a partir de agora na vigilância de infecções respiratórias e na da Covid-19 especificamente — com testes bem aplicados e avaliação criteriosa do número de mortes no Brasil — é importante para termos uma melhor noção dos danos provocados pela pandemia e para tomarmos decisões embasadas na ciência.

Outras evidências pelo mundo

Essa pesquisa não é a única a apontar que o coronavírus provavelmente desembarcou antes do que foi reportado oficialmente em vários países. Um estudo da Universidade Paris 13, conduzido com amostras respiratórias coletadas em um hospital no norte da capital, detectou um caso de infecção na França no dia 27 de dezembro de 2019, quase um mês antes do primeiro caso confirmado oficialmente, em 24 de janeiro.

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Mas, que fique claro, isso é diferente de estabelecer que havia transmissão local da doença. Pode ter sido um episódio isolado, por exemplo. “Ou mesmo um resultado errado no exame”, afirma o epidemiologista Paulo Lotufo, da USP.

De acordo com aquele estudo brasileiro, a disseminação comunitária do coronavírus começou a ocorrer na França no 22 de janeiro, dois dias antes do primeiro caso confirmado pelas autoridades.

Lotufo destaca que, provavelmente, o Sars-CoV-2 veio da Europa para o Brasil. “Do ponto de vista genético, o vírus é muito parecido com o da Itália”, analisa.

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