Do início do ano até o fim de outubro, foram registrados mais de 1,6 milhão de casos prováveis de dengue no Brasil. É um aumento de 21,4% em comparação com o mesmo período em 2022. Sudeste e Sul concentram o maior número de infecções.
Até o momento, 1.037 pessoas morreram pela doença, com casos ainda em investigação, de acordo com dados do Ministério da Saúde.
A chegada do período mais chuvoso no país, de novembro a maio, torna o cenário ainda mais favorável para a disseminação do vírus, o que destaca a importância do reforço nas medidas de prevenção.
“O Brasil e o mundo ainda não atingiram os objetivos no controle do Aedes aegypti, o mosquito transmissor, mas o que se tem discutido a nível global, de uma forma clara, é o impacto do aquecimento global nesta alta”, diz o médico Kleber Luz, coordenador do Comitê de Arboviroses da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
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O aumento das temperaturas favorecem o mosquito. E as preocupações não param por aí. Em maio, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) emitiu um alerta sobre o ressurgimento do sorotipo 3 do vírus da dengue, que não causa epidemias no Brasil há 15 anos e para o qual a maior parte da população não tem imunidade.
Mais recentemente, Votuporanga, cidade do interior paulista registrou casos deste tipo.
A dengue tipo 3
Ao todo, são conhecidos quatro tipos do agente causador da doença. A infecção por cada um deles gera imunidade para aquele subtipo. Ou seja, uma pessoa pode ter dengue até quatro vezes, e, depois do primeiro contágio, as chances de agravamento são maiores.
Os vírus 1 e 2 são os principais responsáveis pelas grandes ondas de transmissão no país.
O sinal amarelo da Fiocruz para o vírus 3 teve como base um estudo de cientistas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e do Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz Amazônia). A análise revelou quatro infecções relacionadas a esse sorotipo esse ano em Roraima, na região Norte, e no Paraná, no Sul do país.
Os pesquisadores afirmam que há risco de uma epidemia desta variedade devido à baixa imunidade da população. Poucas pessoas a contraíram desde o começo dos anos 2000.
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Novos casos
Mais recentemente, a cidade de Votuporanga (SP), registrou quatro casos de dengue tipo 3. As infecções foram confirmadas pela Secretaria Municipal de Saúde.
O primeiro foi detectado em uma mulher, de 34 anos, que chamou a atenção por conta da intensidade dos sintomas clássicos da doença como febre, vômito, dor e manchas vermelhas pelo corpo, além de sangramento nasal e pela urina.
Nas ações de bloqueio, a secretaria identificou outros sete casos suspeitos, cujas amostras foram colhidas e enviadas para análise. Dos sete, três foram confirmados para o tipo 3 da dengue.
De acordo com a prefeitura, todos os casos ocorreram no mesmo bairro da cidade. As quatro pessoas estão em casa e passam bem.
A secretaria de Saúde local realizou ações de bloqueio, pulverização de inseticida e afirmou que seguirá com a coleta de amostras em outras regiões para detectar se o vírus circula em mais locais ou se foi uma situação isolada.
Três em cada 10 brasileiros já tiveram dengue
Pesquisa inédita realizada com 2 mil pessoas pela Ipsos revelou que 3 em cada 10 brasileiros já tiveram dengue e 7 em cada 10 conhecem alguém que já teve a doença.
Entre os acometidos, 69% foram diagnosticados uma vez, 23% duas vezes e 6% três vezes ou mais. Do total de entrevistados, 67% mencionaram a dengue quando questionados sobre quais surtos de doenças são recorrentes no Brasil – índice muito superior aos 39% da primeira edição da pesquisa, realizada em novembro de 2021.
“A dengue está presente na vida do brasileiro de alguma forma, seja porque já tiveram a doença, conhecem alguém que teve ou porque estão preocupados com o risco de infecção. No entanto, as medidas de controle do vetor são insuficientes e os casos só estão aumentando”, diz Alberto Chebabo, médico infectologista e presidente da SBI.
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Quando perguntados sobre quantas vezes uma pessoa pode ter dengue, 69% dos entrevistados não souberam responder, 12% disseram por um número ilimitado de vezes e 18% entre uma e três vezes. Apenas 2% acertaram a resposta: quatro vezes.
“Há uma falsa ideia de que a pessoa que já contraiu fica imune à doença”, reforça Chebabo. Porém, os resultados também mostram um aumento da consciência do brasileiro de que a infecção pode levar à morte.
Aproximadamente 93% acreditam que ela pode ser fatal, 83% acham que pode impactar a qualidade de vida, 84% têm medo de que seus familiares tenham a doença, 76% têm receio de contraí-la e 71% acreditam que se trata de uma doença com alto risco de contágio.
A pesquisa foi realizada entre junho e julho deste ano com 2 mil adultos de todas as classes sociais e regiões do país, por telefone. A margem de erro é de 2 pontos percentuais.
O levantamento foi feito a pedido da biofarmacêutica Takeda e contou com a coordenação científica da SBI.
A vacina da dengue
Em março deste ano, uma nova vacina contra a dengue, fabricada pela Takeda, chegou ao país. A fórmula tem eficácia superior a 90% na redução de hospitalizações pela infecção.
Diferente da que já estava disponível em solo nacional, esta pode ser tomada por qualquer pessoa, inclusive as que nunca tiveram a doença.
Por ora, ela está disponível somente na rede particular. O Ministério da Saúde atualmente avalia a incorporação do imunizante no Sistema Único de Saúde (SUS).
População adota medidas de controle depois de adoecer
Os principais criadouros do Aedes aegypti são depósitos de armazenamento de água para consumo, como caixas d’água e tambores, que representam quase 40% dos locais que abrigam larvas do mosquito.
Na sequência, aparecem vasos de plantas, garrafas destampadas, calhas e lajes, que correspondem a cerca de 36% dos sítios de reprodução. Em um índice um pouco mais baixo, de quase 24%, estão pneus e outros objetos que podem ser removidos em uma vistoria de rotina.
As informações são do Painel de Monitoramento de Arboviroses do Ministério da Saúde.
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Na pesquisa da Ipsos, 73% das pessoas afirmaram ter conhecimento de que a picada do mosquito é a principal forma de contágio.
Entre aquelas que adoeceram, 70% disseram ter feito mudanças em casa após o diagnóstico.
Entre as ações tomadas pela população, estão:
- cuidados com os recipientes com água parada (27%)
- tampar reservatórios de água (12%)
- remover água parada de vasos (11%)
- maior limpeza no quintal de casa (10%)
- deixam garrafas com a boca para baixo (8%)
- colocam areia nos vasos de plantas (8%)
O ciclo de vida do Aedes
Os ovos do Aedes aegypti medem cerca de 0,5 mm e apresentam alta resistência, podendo permanecer viáveis no ambiente, mesmo que seco, por um ano. Quando entram em contato novamente com a água, especialmente durante as chuvas, eles eclodem.
O mosquito vai de ovo a adulto em até 10 dias. Assim, uma verificação semanal do ambiente doméstico em busca de potenciais criadouros é suficiente para evitar sua proliferação.
Com tempo médio de vida de 45 dias, a fêmea do mosquito pode colocar centenas de ovos.
Mitos sobre a dengue persistem
O levantamento da Ipsos mostrou que cerca de 43% acreditam que a dengue ocorre exclusivamente no verão, enquanto 25% pensam que a doença só atinge pessoas de classes sociais mais baixas.
Outros 25% disseram que a doença só ocorre em regiões endêmicas, 21% pensam que a dengue não está presente onde moram e 21% acham que ela não acontece nas cidades grandes.
“Precisamos também esclarecer mitos relacionados ao contágio e reforçar que a dengue é uma doença democrática. Ela está presente em todo o Brasil, seja em localidades de clima quente ou frio, atingindo todas as classes sociais”, explica a médica infectologista Rosana Richtmann, do Hospital Emílio Ribas, de São Paulo