Recentemente, saíram notícias de que a Nova Zelândia e, anteriormente, o Vietnã, conseguiram superar a primeira onda da pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2). O que eles fizeram para alcançar isso? Além de testagem em massa, conscientização da população e adoção do isolamento social, ambos os países lançaram mão de uma política intensa de rastreamento de contato.
A enfermeira Ethel Leonor Noia Maciel, especialista em epidemiologia e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), explica que essa medida começa com a identificação e o isolamento de uma pessoa com Covid-19. O profissional, então, pergunta por onde ela andou e com quem teve contato mais próximo.
A partir daí, procura ativamente esses indivíduos e pede para que eles adotem uma quarentena de 14 dias (contando desde o dia do contato com o infectado original) e fiquem de olho em quaisquer sintomas. Se, durante alguma dessas conversas, o rastreador de contatos notar que o sujeito já está com sinais do novo coronavírus, vai precisar descobrir com quem ele interagiu recentemente. E a busca vai avançando dessa forma, às vezes com apoio de aplicativos e outras tecnologias que facilitam o acompanhamento.
Só um detalhe: o rastreador não precisa caçar qualquer pessoa que cruzou rapidamente pelo caminho do infectado. Sua atenção vai se concentrar nos contatos mais prolongados, que geram um maior risco de contaminação. É o amigo que conversou por um tempo na porta de casa, o companheiro de escritório, os familiares que o encontraram para um almoço em família…
O rastreamento de contatos, em resumo, vai tirando de circulação os doentes e parte dos indivíduos que interagiram com ele e, por isso, podem carregar o Sars-CoV-2 sem nem saber.
O método não precisa necessariamente ser feito em um país, estado ou cidade. Dá para aplicá-lo dentro de empresas, escolas e condomínios, por exemplo. Mas será que ele é efetivo mesmo em um país enorme como o Brasil, em que o coronavírus já se disseminou do Norte ao Sul?
O rastreamento de contato no Brasil
“O uso dessa estratégia já é comum para enfrentar outras doenças infecciosas, como a tuberculose”, adianta Ethel.
A enfermeira participou de um estudo recente que propõe um modelo de rastreamento no país utilizando recursos já existentes no Sistema Único de Saúde (SUS) contra o novo coronavírus.
A pesquisa é reflexo de um trabalho anterior, relacionado justamente à tuberculose e feito em Vitória (Espírito Santo). Nesse estudo mais antigo, com dados de 2003 a 2007, a meta era entender a cadeia de transmissão da bactéria causadora dessa enfermidade. Ou seja: checar quem passou para quem. Na época, os cientistas constataram que era prudente que os profissionais de saúde monitorassem quem morava em um raio de 2 mil metros dos infectados para impedir a expansão da doença efetivamente.
“Com a pandemia, a gente começou a pensar em um jeito de adaptar essa ideia para enfrentar a Covid-19, até porque a tuberculose tem a mesma via de transmissão”, relata a professora. Embora menos contagiosa, a tuberculose também é espalhada por gotículas respiratórias.
Segundo o novo modelo criado por Ethel e seus colegas, os agentes comunitários de saúde do SUS, que já passam regularmente nos bairros domiciliares, deveriam visitar com mais frequência regiões onde habitam portadores do Sars-CoV-2 (ou moradores que infelizmente morreram por causa dele). O ideal seria testar essa turma e, nos casos positivos, solicitar uma quarentena ainda mais rígida.
“A gente já tem uma organização similar no programa de Saúde da Família. O que precisaria é de um aporte financeiro maior para contratar novas equipes e melhorar o que existe”, complementa Ethel.
A profissional acredita que essa medida é essencial no nosso país, ainda mais no cenário atual de contínuo aumento de casos, reabertura do comércio e flexibilização do isolamento. Seria uma forma de minimizar o impacto do aumento da circulação de pessoas no avanço da pandemia.
“Nessas visitas, os profissionais também poderiam utilizar o oxímetro. É um aparelhinho colocado no dedo que avalia a saturação do oxigênio no sangue”, acrescenta Ethel. Índices baixos de O2 na circulação sanguínea sugerem a presença do coronavírus, mesmo sem sintomas claros — um fenômeno chamado de hipóxia silenciosa.
Isso possibilitaria identificar pacientes que podem evoluir para a forma grave da Covid-19, se não forem tratados precocemente.
Ethel pede ainda que o governo ofereça os recursos necessários para que indivíduos de classes socioeconômicas mais baixas possam fazer o isolamento, tendo um mínimo para sobreviver. “Sem renda, eles vão continuar trabalhando e contaminarão outras pessoas”, alerta.
De acordo com ela, o Brasil deveria ter investido mais em medidas que impedem a transmissão do coronavírus — e não só em hospitais de campanha e mais leitos de UTI. O isolamento social abrangente e o rastreamento de contatos são grandes aliados nesse sentido.