Queimaduras: saiba como evitar acidentes domésticos
Prevenção inclui redobrar a atenção em ambientes de manipulação de alimentos e líquidos com altas temperaturas
O dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, conhecido como Zé Celso, morreu nesta quinta-feira, 6, depois de dois internado. Um incêndio atingiu seu apartamento, em São Paulo, e Celso sofreu queimaduras graves.
Problema de saúde pública, as queimaduras estão associadas a 180 mil mortes por ano no mundo, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, estima-se que cerca de um milhão de pessoas sofram acidentes do tipo anualmente. Idosos e crianças estão mais vulneráveis.
De acordo com os dados do Ministério da Saúde, 77% dos casos acontecem em casa e 40% com crianças de até 10 anos. Na última década, mais de 3 mil menores de 14 anos morreram em decorrência de incidentes com queimaduras e quase 221 mil foram hospitalizados.
O que são as queimaduras?
São lesões na pele e em outros tecidos humanos, causadas principalmente pelo calor.
As células podem ser destruídas total ou parcialmente por líquidos e objetos quentes, ou pelo contato direto com chamas, como aquelas de fogão de cozinha, fogueiras ou churrasqueiras, por exemplo.
As lesões também são decorrentes de exposição a radiação, eletricidade, fricção e contato com produtos químicos.
“As pessoas geralmente associam as queimaduras aos incidentes térmicos, mas, em São Paulo, de 35% a 40% dos casos são causados por líquidos inflamáveis”, detalha Alfredo Gragnani, cirurgião plástico, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, especializado no tratamento de queimaduras.
Como evitar acidentes
Em geral, crianças e mulheres se queimam na cozinha, com o derramamento de líquidos quentes, o contato com chamas ou em explosões de panelas e fogões.
Além dos acidentes domésticos, as queimaduras também costumam acontecer nos locais de trabalho. Segundo a OMS, homens são mais afetados por queimaduras devido a incêndios, problemas com eletricidade e exposição a substâncias químicas.
Os idosos também fazem parte do grupo de alto risco devido a uma menor velocidade de reação e às limitações físicas associadas à idade avançada.
Nesse contexto, a prevenção inclui redobrar a atenção em ambientes de manipulação de alimentos e líquidos com altas temperaturas. As crianças devem ser mantidas distantes da cozinha durante o preparo de refeições.
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Cabos das panelas devem mantidos em bom estado, para evitar o risco de queda inesperada dos utensílios, além de ser direcionados para dentro do fogão durante o uso.
“O primeiro lugar de atenção é o fogão, especialmente para quem tem crianças. Ao ligar fogão ou manusear líquidos aquecidos, não se deve deixar a criança solta em área próxima”, orienta Gragnani.
Produtos de limpeza precisam ficar fora do alcance das crianças e as tomadas bloqueadas com protetores.
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O médico elenca mais alguns cuidados. Ao acender fósforos, manter o palito longe do rosto, para não atingir cabelo ou sobrancelha e, no uso de velas, observar a distância de produtos inflamáveis, botijões de gás, solventes ou tecidos.
Também é importante evitar fumar dentro de casa, principalmente deitado, e investigar qualquer sinal de vazamentos de gás.
“Se, ao abrir a porta de casa, a pessoa sentir o cheiro de gás, a primeira coisa a se evitar é acender a luz, que pode gerar uma faísca. O ideal é abrir as janelas e deixar o vento circular até verificar o vazamento. Colocar espuma de sabão no cano ou na mangueira ajuda a fazer essa verificação. Se borbulhar, é sinal que está vazando gás, e é preciso chamar o conserto”, explica o médico.
O especialista destaca ainda a necessidade de atenção ao bom estado de funcionamento de aparelhos elétricos, bem como a manutenção de equipamentos que apresentam irregularidades e o uso correto como uma das medidas de prevenção.
“No inverno, é normal as pessoas buscarem se aquecer. O aquecedor é um aparelho muito frágil, a regulação elétrica é muito difícil e ele pode aquecer demais. Algumas pessoas usam para secar roupas, colocam peças molhadas em cima ou deixam o aparelho ligado o tempo todo. Então, é preciso ter muito cuidado com o uso adequado”, orienta.
Diferentes graus de queimaduras
As queimaduras podem ser classificadas em graus, de acordo com o nível de profundidade.
São classificadas como de 1º grau as queimaduras superficiais, que atingem a camada superior da pele humana, chamada de epiderme. Os indivíduos podem apresentar vermelhidão no local, sensação de calor, além de uma dor intensa. Geralmente, não há a formação de bolhas.
Quando ultrapassam a epiderme e chegam a camadas mais profundas da pele, são chamadas queimaduras de 2º grau. A dor é maior e há mais vermelhidão, além do surgimento de bolhas.
O tipo mais grave, a queimadura de 3º grau, alcança todas as camadas da pele e pode afetar músculos e ossos. Nesses casos, a lesão é tão profunda que os nervos são atingidos os pacientes podem sentir pouca ou nenhuma dor.
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Por que é tão grave?
“A queimadura é um dos piores danos que nosso corpo pode sofrer”, afirma Gragnani. Além do comprometimento do tecido em si, outros problemas, desencadeados pelo tipo de acidente, podem piorar o prognóstico desses pacientes.
“Por exemplo, incêndios em lugares fechados causam lesões induzidas pelo dióxido de carbono, provocando um processo inflamatório intenso nas vias aéreas”, afirma Gragnani. Nesta situação, há ainda escassez de oxigênio e risco de asfixia e insuficiência respiratória.
Segundo o especialista, em casos graves, com 40% ou mais de área corporal comprometida, ocorre um gasto grande de energia para manter o organismo em funcionamento, o que pode impactar diretamente na imunidade e levar a complicações e óbitos.
Além disso, nessa situação há mais risco de infecções e distúrbios relacionados ao controle do volume de líquidos, sais minerais e proteínas no organismo.
Cuidados
Diante de uma queimadura, há muitos conhecimentos populares que dizem o que fazer. No entanto, a Sociedade Brasileira de Queimaduras destaca que não se deve furar bolhas, descolar tecidos aderidos à pele afetada ou colocar qualquer tipo de substância na lesão, como café, creme dental ou manteiga.
O ideal é colocar a parte queimada debaixo de água fria corrente, com fluxo suave, por cerca de dez minutos. Em seguida, pode-se colocar compressas úmidas e frias.
Em casos mais simples, o manejo pode ser feito somente com a troca de curativos e pomadas cicatrizantes para regeneração do tecido.
Já casos mais graves, que comprometem grande parte do corpo, ou que envolvem produtos químicos ou eletricidade, devem ser encaminhados ao atendimento médico de urgência. Vítimas de queimaduras de segundo grau profundo e terceiro grau são levados para as Unidades de Tratamentos de Queimados (UTQ).
O tratamento é realizado com a participação de uma equipe multidisciplinar, incluindo enfermeiros, médicos, cirurgiões plásticos, entre outros profissionais. O especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica acrescenta que os cuidados incluem o suporte de oxigênio e a hidratação do paciente.
Essa situações requerem maior cuidado, com possibilidade de cirurgias de enxerto ou transferência de tecidos irrigados por artérias. No contexto de queimaduras severas, o cirurgião contribui para a recomposição estética da área e para a reabilitação de locais que podem ter afetadas a mobilidade e funcionalidade, como pescoço, cotovelos e axilas, por exemplo.
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Impactos respiratórios
Como no caso de Zé Celso, queimaduras mais severas podem ocorrer em incêndios. Nesses casos, a inalação de fumaça e dos produtos da combustão se tornam um agravante.
O médico pneumologista Gustavo Prado, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, explica que essa exposição respiratória está associada a dois mecanismos que podem levar à morte.
“Um deles é a lesão das vias aéreas. Elas podem sofrer queimaduras como a pele, tanto em estruturas mais centrais, como laringe, traqueia e brônquios, como nas lesões pulmonares agudas”, explica.
Uma complicação mais frequente e silenciosa dos incêndios é a asfixia, a dificuldade de respiração que leva à falta de oxigênio no organismo.
“Há uma redução da concentração de oxigênio no ar. Ao mesmo tempo, ocorre a formação dos produtos da combustão. O gás carbônico é um deles, mas o monóxido de carbono é o mais perigoso”, afirma o médico.
Quando uma pessoa respira o ar com monóxido de carbono, ele se liga a uma proteína presente no sangue chamada hemoglobina, responsável por transportar o oxigênio pelo corpo. “O oxigênio naquele ambiente, que já está reduzido, ainda é pouco aproveitado pelo corpo”, explica.
A asfixia tem sintomas como dor de cabeça, distúrbios visuais e desorientação. Nesses casos, os pacientes devem ser encaminhados para atendimento médico.
“Situações como esta precisam servir como alusão ao reforço de algumas medidas preventivas, como manter sempre uma boa manutenção de sistemas de aquecimento a gás para água em casa, o distanciamento dos botijões de gás em relação ao fogão, evitar a combustão dentro de casa sem uma estrutura adequada de exaustão e de ventilação, não improvisar fogareiros e mini lareiras em ambientes fechados e a percepção de sinais e sintomas de intoxicação por monóxido de carbono”, conclui.