Desde o início da pandemia da Covid-19, pesquisadores do mundo todo tentam identificar os mecanismos de ação do vírus, além de possíveis fatores que possam proteger da infecção, tanto impedindo o seu desenvolvimento quanto evitando que ela evolua para a forma grave.
Essa busca é essencial para que a ciência desenvolva vacinas e medicamentos para o controle dessa e de outras doenças virais.
Pesquisadores do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da Universidade de São Paulo (USP) decidiram estudar por que alguns idosos nonagenários eram resistentes à infecção pelo SARS-CoV-2 e desenvolviam a forma leve da doença, mesmo sendo considerado o grupo de maior risco (além da idade avançada, muitos tinham diabetes e hipertensão, por exemplo).
Eles foram comparados com adultos mais jovens, com menos de 60 anos, que evoluíram com a forma grave da Covid-19 e morreram, mesmo sem ter histórico de comorbidades ou outras doenças associadas.
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O levantamento foi feito no auge da pandemia (entre março e abril de 2020), período em que não havia vacinação disponível e com os detalhes da doença bastante desconhecidos.
A princípio, os pesquisadores tentaram fazer uma busca ativa de nonagenários que haviam se recuperado da doença, mas, diante do cenário epidemiológico e da dificuldade de fazer coletas domiciliares dessas pessoas (por serem do grupo de altíssimo risco), os cientistas fizeram uma parceria com o Instituto de Pesquisa da Prevent Sênior.
Segundo Mateus Vidigal de Castro, pós-doutorando e um dos responsáveis pela pesquisa da USP, a parceria foi essencial para que eles tivessem acesso aos dados de pacientes com mais de 90 anos que comprovadamente se contaminaram (buscaram atendimento hospitalar e tiveram a infecção confirmada por meio do exame RT-PCR) e desenvolveram apenas sintomas leves ou até permaneceram assintomáticos após o teste confirmar a infecção.
“Por meio dessa colaboração, a equipe deles fazia a testagem para confirmação da doença e a coleta das amostras biológicas [sangue], que eram enviadas para que nós fizéssemos o processamento desse material e as análises. Eram todos idosos com mais de 90 anos, da mesma cidade, assistidos pelo mesmo plano de saúde. Conseguir contatos de recuperados nessa faixa etária era bem mais difícil”, explica Castro.
Ao todo, 87 superidosos moradores de São Paulo formaram a base de dados do estudo, número considerado excelente levando em consideração uma população desta faixa etária que se recuperou da doença.
A média de idade era 94 anos e a paciente mais velha, à época, tinha 114 anos – uma mulher considerada a pessoa mais velha do país a se recuperar da Covid-19.
Entre a amostragem estavam três centenários: uma senhora paraibana de 114 anos; um senhor mineiro de 111 anos e um senhor carioca de 110. “A nossa pesquisa queria entender o que levou uma pessoa de 114 anos à recuperação. Essa é uma explicação somente imunológica ou envolve questões genéticas?”, questiona o pesquisador.
Como foi feita a pesquisa
Os cientistas isolaram o plasma sanguíneo dos superidosos e analisaram as células do sistema imune. Eles fizeram o sequenciamento genético e analisaram a região do cromossomo 6, conhecida como complexo principal de histocompatibilidade (área com uma série de genes que controlam o nosso sistema imunológico).
Os dados dos superidosos resilientes foram comparados com os de 55 pessoas com menos de 60 anos que tiveram Covid-19 e desenvolveram a forma grave da doença, evoluindo para óbito e foram comparados com uma gigantesca base de dados do centro de pesquisa da USP, que possui informações genômicas de mais de mil idosos com mais de 80 anos.
Os resultados da pesquisa mostraram uma maior frequência da mutação do gene MUC 22 – duas vezes maior do que em pacientes com casos graves de Covid-19 e 2,5 vezes mais frequente nos superidosos resilientes em comparação com os demais idosos.
Segundo Vidigal, o gene MUC 22 faz parte da família das mucinas e está ligado à produção de muco, responsável pela lubrificação e proteção de vias respiratórias.
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“No caso dos idosos recuperados, não sabemos se eles estão produzindo mais ou menos muco. O que conseguimos saber é que eles têm uma frequência aumentada dessa mutação. Pode ser algo relacionado à idade? Sim. Essa diferença é bastante significativa e em genética tem um impacto muito grande. Por isso, precisamos de mais estudos para validar essa descoberta”, explicou o pesquisador. Os resultados do trabalho foram publicados na revista científica Frontiers in Immunology.
Castro disse ainda que o grupo já identificou outros potenciais genes candidatos que estariam envolvidos nesse processo de resistência à infecção pelo SARS-CoV-2 e agora está na fase de análises in-vitro das amostras.
“Pretendemos analisar ainda um amplo espectro de genes para cruzar com dados de bancos genômicos e ampliar ainda mais o conhecimento sobre essa doença. Conhecer os mecanismos de resistência do organismo em relação a essas infecções servem de base para estudos e desenvolvimento de fármacos que possam atuar na prevenção e tratamento”, completou.
*Esse texto foi publicado originalmente pela Agência Einstein