Parkinson redescoberto: novos tratamentos renovam esperanças de pacientes
A medicina está evoluindo na compreensão e no tratamento da doença que abala os movimentos do corpo e deve dobrar em prevalência até 2050

“Os primeiros sinais são leves e quase imperceptíveis, e seu progresso é tão lento que raramente o paciente consegue formar alguma lembrança do período preciso em que tudo começou.” Foi assim que o médico inglês James Parkinson descreveu, em 1817, a condição que hoje leva seu sobrenome: a Doença de Parkinson.
Um mal traiçoeiro que se apodera de um grupo de neurônios e compromete o controle motor e a autonomia. Um problema que hoje é uma realidade para ao menos 12 milhões de pessoas pelo mundo — número que deve dobrar até a metade deste século.
- Por que os casos de Parkinson vão dobrar até 2050?
- Qual a relação entre a dopamina e o Parkinson?
- Quais são os sintomas do Parkinson?
- Como diagnosticar Parkinson?
- É possível ter Parkinson na juventude?
- Como é feito o tratamento do Parkinson?
- Infusões subcutâneas: como funcionam contra o Parkinson?
Por que os casos de Parkinson vão dobrar até 2050?
De acordo com uma nova projeção, publicada no The British Medical Journal (BMJ), em 2050 haverá cerca de 25,2 milhões de indivíduos com Parkinson no planeta. No Brasil, não será diferente. Se em 2021 registrávamos 226 mil casos, em menos de três décadas teremos mais de meio milhão de portadores.
Isso nos tornará o quinto país com o maior contingente de homens e mulheres com a condição — só atrás da China, da Índia, dos Estados Unidos e da Alemanha.
“O aumento na prevalência de Parkinson é mais um reflexo do envelhecimento populacional”, afirma a neurologista Ananda Falcone, especialista em distúrbios do movimento do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. “Mas outro aspecto que parece influenciar o crescimento de casos é o sedentarismo, que também foi levado em consideração no estudo global recém-divulgado.”
Além disso, o histórico familiar é mais um fator de risco para o desenvolvimento da doença. Sabe-se que cerca de 10% dos casos são fortemente determinados pela genética.
“Conhecemos cerca de uma dúzia de genes comprovadamente associados a formas clássicas, atípicas e de início precoce do Parkinson, além de muitos outros que ainda precisam de confirmações mais robustas”, disse o neurologista Artur Schuh, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em apresentação durante o IV Congresso Brasileiro de Neurogenética, realizado na capital paulista.
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Qual a relação entre a dopamina e o Parkinson?
Mais de dois séculos se passaram desde a primeira descrição formal da condição, mas foi só recentemente que tivemos avanços no diagnóstico e no tratamento. Apenas na década de 1950 os cientistas descobriram que os sintomas do problema, que vão muito além dos tremores involuntários, são provocados pela diminuição de dopamina no cérebro.
“Ela é como um combustível para qualquer atividade motora que a gente faz: de um gesto a uma corrida”, compara o neurologista Rubens Gisbert Cury, coordenador do Departamento Científico de Transtornos do Movimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).
Boa parte do tratamento disponível até hoje consiste em tomar comprimidos para repor os níveis desse neurotransmissor — que também nos instiga a buscar prazer —, mas tecnologias de ponta estão chegando até os pacientes a fim de entregar resultados melhores e mais duradouros. Esse pacote inclui implantes cerebrais, ultrassom de alta intensidade, bolsas de medicação contínua…
São os novíssimos passos da medicina para que essas pessoas, que ficaram tanto tempo em busca de boas notícias, possam desfrutar da vida além do Parkinson.
Quais são os sintomas do Parkinson?
Em dois séculos de estudos sobre a doença, muitas crenças foram desbancadas, mas muitas outras permanecem no imaginário popular. A mais comum, talvez, seja a de que o maior sintoma do Parkinson são os tremores.
“Na verdade, a lentidão é o sinal central da condição. O que faz sentido, pois, se há menos dopamina para ser utilizada pelos nervos e pelos músculos, você fica mais lento”, desmitifica Cury.
Os tremores em repouso podem até saltar aos olhos de quem vê um paciente com Parkinson. Mas, para o portador, outros aborrecimentos podem ser mais incômodos, como as dores musculares causadas pelas contrações involuntárias. E, como alertou James Parkinson lá no século 19, os primeiros sinais podem passar despercebidos.
Entre os inconvenientes praticamente invisíveis estão perda parcial ou total do olfato, constipação, déficits de fala e redução das expressões faciais. Além disso, no início, os sintomas afetam só um lado do corpo. Depois progridem para o outro. Flagrar esses sinais desde o princípio não é fácil, mas importante para oferecer o tratamento desde cedo.
“O Parkinson é uma doença neurodegenerativa, a segunda mais comum no mundo, só atrás do Alzheimer”, destaca Falcone. “Isso quer dizer que ela é crônica e progressiva. E os recursos disponíveis hoje são capazes de desacelerar sua evolução, mas não curá-la.”

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Como diagnosticar Parkinson?
Conhecer os sintomas para além dos tremores também é útil porque, atualmente, o diagnóstico da doença é eminentemente clínico, isto é, baseado nos relatos e no exame físico do paciente. Pois é, ainda não existem métodos laboratoriais que acusem a doença pelo sangue.
Ressonâncias magnéticas podem ajudar os médicos a avaliar os núcleos da base do cérebro, responsáveis pelos nossos movimentos, e a descartar outras causas. Em artigo publicado recentemente no NPJ Parkinson’s Disease, um grupo internacional de cientistas avaliou imagens cerebrais de mais de 2,5 mil pacientes provenientes de 20 países (incluindo o Brasil).
Eles encontraram padrões de neurodegeneração que permitem classificar a doença em cinco estágios. Em um futuro próximo, esperam que essas distinções possam se tornar um guia para o diagnóstico do Parkinson. Por enquanto, a lição que fica é: dê atenção aos sinais do seu corpo, principalmente a partir dos 60 anos de idade, quando a doença costuma aparecer.
Celebridades como o vocalista do Black Sabbath Ozzy Osbourne, de 76 anos, e o político brasileiro Eduardo Suplicy, de 83, são alguns dos milhões de diagnosticados com a doença na maturidade. Mas é possível desenvolvê-la muito antes, ainda que isso seja mais raro.
É possível ter Parkinson na juventude?
O Parkinson de início precoce, como é chamado, ocorre abaixo dos 50 anos, e outros grandes nomes públicos tiveram o distúrbio identificado na juventude. O ator Michael J. Fox, protagonista da trilogia De Volta para o Futuro, foi diagnosticado aos 29 anos; a lenda do boxe Muhammad Ali começou a apresentar sinais aos 42; e a repórter da TV Globo Renata Capucci aos 45.
Com essa mesma idade, a executiva paulista Giovana Vieira Santos foi pega de surpresa por alguns incômodos. “Comecei a sentir uns tremeliques na perna direita durante a noite. Eu pensava que era só estresse, afinal eu trabalhava no mercado corporativo e também estava fazendo um mestrado na época. Me sobrava muito pouco tempo para descansar ou cuidar da saúde”, relata.
Mas o corpo não parava de dar bandeira. “Comecei a prestar atenção depois que isso passou a afetar o trabalho. Teve uma vez que eu estava em uma sala de reunião com dez pessoas e, ao tentar pegar o celular, meu braço não obedecia.”
Giovana passou muito tempo procurando ortopedistas para lidar com as dores nas costas, a rigidez e os movimentos involuntários que a aborreciam. Sem sucesso, foi ao consultar um neurologista que recebeu a notícia: ela tinha Parkinson.
Para ajudar outras pessoas a chegar ao diagnóstico e ao tratamento correto, ela escreveu um livro e fundou o Instituto Ame o Parkinson, organização dedicada a garantir que pacientes tenham uma qualidade de vida melhor. Porque, se não há cura, existe tratamento. E, entre as doenças neurodegenerativas, o do Parkinson é um dos mais eficazes.
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Como é feito o tratamento do Parkinson?
Ele se baseia numa tríade: medicamentos, atividade física e terapias avançadas que visam reduzir a dimensão e a progressão dos sintomas. Ainda que não se saiba exatamente a causa da deficiência de dopamina por trás do quadro, cientistas e médicos têm trabalhado com sucesso para driblar os percalços — embora o acesso a tudo isso ainda seja um desafio no país.
Desde os anos 1960, um fármaco tem sido a estrela-guia do tratamento do Parkinson: a levodopa, uma molécula presente em várias formulações à venda nas drogarias. O comprimido é absorvido pelo intestino delgado e, a partir dali, transforma-se em dopamina por uma série de reações químicas no nosso corpo.
“Isso reduz o déficit do neurotransmissor e, consequentemente, ajuda a controlar os sintomas motores da doença”, explica Falcone. O problema é que, no longo prazo, os pacientes podem parar de responder tão bem à droga. “Aqueles que convivem com a doença sofrem, no dia a dia, com oscilações na resposta ao tratamento”, nota a médica.
Quando os sintomas estão controlados, a medicação está fazendo efeito e o portador está ON, no jargão médico. Já quando os tremores, a rigidez e a lentidão voltam à cena, o paciente está OFF — não mais sob efeito dos remédios.
A tendência é que, com o avanço da doença, os momentos em OFF sejam mais frequentes.
Para burlar isso, os cientistas já desenvolveram algumas estratégias.

Infusões subcutâneas: como funcionam contra o Parkinson?
Uma das novas soluções são as infusões subcutâneas. “Todo medicamento precisa de determinado tempo para agir. O paciente sofre um pico do efeito, no qual ele se sente melhor, mas logo depois esse efeito diminui, e os sintomas voltam a incomodar. A liberação contínua evita essa instabilidade”, expõe Fernando Mos, diretor médico da AbbVie no Brasil.
A farmacêutica é a responsável por desenvolver a infusão de foslevodopa/ foscarbidopa, que foi aprovada no último ano pelo órgão regulatório dos Estados Unidos.
No Brasil, a solução aguarda a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
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DBS: o que é a estimulação cerebral profunda?
Outra tecnologia avançada — esta já liberada no país e, inclusive, disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) — é a estimulação cerebral profunda. Mais conhecida pela sigla DBS, a tecnologia foi desenvolvida pela Boston Scientific e consiste na implantação de um sistema de eletrodos no cérebro, que vão regular os sinais neuronais nos núcleos responsáveis pelo movimento.
“O dispositivo é implantado em uma neurocirurgia, que costuma durar cerca de cinco a seis horas. Nesse tempo todo, o paciente segue acordado, porque assim podemos avaliar o impacto do DBS de maneira imediata”, explica a neurologista Sara Casagrande, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Uma das vantagens do procedimento é que ele instala um dispositivo modulável, ou seja, os médicos podem programá-lo de acordo com as necessidades de cada paciente. É uma boa opção para controlar sintomas motores, da lentidão aos tremores.
Apesar de ser bastante eficaz, nem todo mundo está apto a passar pela cirurgia — e tem gente com medo de abrir o cocuruto. Por isso, pesquisadores continuam trabalhando em métodos alternativos.
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Hifu para Parkinson: uma opção em estudo
No Hospital Israelita Albert Einstein, uma equipe está testando o ultrassom focado de alta intensidade (Hifu), que já foi aprovado para o tratamento de tremor essencial, como terapia para os movimentos involuntários do Parkinson.
“É um equipamento que emite ondas ultrassônicas capazes de provocar uma lesão precisa, que desativa determinada região do cérebro que esteja descompensada”, descreve a neurologista Polyana Piza, gerente médica do Programa de Neurologia da instituição.
Segundo a pesquisadora e outros especialistas, não existe um tratamento que seja melhor do que o outro. “Temos milhares de pacientes com Parkinson no Brasil, e cada um tem suas demandas e restrições. Quanto mais opções tivermos para atender essa população, que só tende a crescer, melhor”, avalia Piza.
Uma discussão que deve permanecer nessa nova era de tratamento — em que se vislumbra até o uso de células-tronco no cérebro — é o alto custo dos procedimentos, que podem chegar a 400 mil reais. Pois é, inúmeras vezes, as soluções só chegam a todos a passos lentos.
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