Um grupo internacional de pesquisadores, entre eles brasileiros de diversas instituições, identificou novas evidências de que uma infecção prévia de dengue pode gerar imunidade contra o vírus zika. De acordo com o trabalho, o organismo de quem já teve dengue produziria anticorpos capazes de impedir que o zika penetre nas células e desencadeie uma infecção.
Para chegar a essas conclusões, os cientistas usaram dados de um amplo estudo envolvendo 1 453 moradores da favela de Pau de Lima, localizada em Salvador, na Bahia. Sabe-se que aquela comunidade convive com a dengue há pelo menos 30 anos e, paralelamente, foi uma das principais áreas afetadas pelo zika na epidemia de 2015.
Amostras de sangue coletadas antes, durante e após a epidemia se instalar na região foram submetidas a testes para medir a produção de anticorpos contra o zika. Os resultados levaram os pesquisadores a inferir que múltiplas exposições à dengue teriam protegido as pessoas contra o vírus por trás da microcefalia.
“Nossos achados sugerem que cada duplicação dos níveis de anticorpos contra dengue corresponde a uma redução de 9% no risco de infecção pelo zika”, explica o médico brasileiro Ernesto Azevedo Marques, do Departamento de Microbiologia e Doenças Infecciosas da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo. Ou seja, o risco cai, mas não chega a zero.
Marques esclarece que os dois agentes infecciosos integram a família dos flavivírus e são geneticamente semelhantes. Aliás, por causa dessa similaridade, pensava-se que a infecção prévia por dengue pudesse, na verdade, gerar quadros mais graves de febre zika, parecidos com os que ocorrem na dengue hemorrágica.
Calma que Ernesto Marques explica: “Nesses casos, os anticorpos que o sistema imune produz da primeira vez contra um dos subtipos do vírus da dengue não neutralizam os outros de modo eficiente. A infecção por um subtipo gera uma reação cruzada contra as outras variedades, o que aumenta a gravidade da infecção.”
Mas o caso é diferente com o zika… O virologista Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), no interior paulista, coordenou um levantamento publicado em 2017 indicando que, em seres humanos, uma infecção prévia por dengue não leva necessariamente a um quadro mais grave de zika.
Segundo Nogueira, o experimento novo vai além e mostra que pessoas infectadas pela dengue e que desenvolveram altos níveis de anticorpos não foram agredidas pelo zika durante o surto de 2015.
Agora, não se sabe o efeito de uma infecção prévia pelo vírus da dengue nos casos de zika em gestantes. “Existem estudos em andamento investigando essa questão”, diz.
O trabalho também envolveu a participação de pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, além do Departamento de Medicina da Universidade da Califórnia em São Francisco e da Flórida, ambas nos Estados Unidos. O grupo da Famerp contou com apoio da Fapesp.
Este conteúdo foi produzido pela Agência Fapesp.