Recentemente, a Força-Tarefa de Saúde Preventiva dos Estados Unidos, organização voluntária que reúne experts daquele país para delinear recomendações médicas baseadas em evidências científicas, publicou um artigo apoiando o uso da hormonioterapia em mulheres com alto risco de desenvolver câncer de mama no futuro. Você entendeu direito: a proposta seria dar remédios para prevenir a doença em um subgrupo da ala feminina.
O texto leva em consideração estudos robustos e foi publicado no respeitado periódico científico JAMA (Journal of American Medical Association). Os autores destacam três medicamentos: tamoxifeno, raloxifeno e inibidores da aromatase. São drogas já usadas para combater tumores e diminuir a probabilidade de eles voltarem.
Pois bem: engolir comprimidos antes de uma enfermidade aparecer soa um pouco estranho, mas essa estratégia já é conhecida pelos especialistas. “O relevante aqui é que essa força-tarefa, geralmente conservadora, foi bem enfática na recomendação”, destaca Gilberto Amorim, oncologista da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc). “Isso é um estímulo para que o assunto seja mais discutido nos consultórios”, completa.
Quem se beneficia da hormonioterapia preventiva
Ela tem um alvo específico. “Basicamente, são as mulheres acima de 35 anos com histórico familiar e lesões que aumentam o risco de câncer, como as hiperplasias atípicas ou lobulares”, explica Marcelo Bello, mastologista e diretor do Hospital do Câncer III, do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
Se a mulher já teve um carcinoma de mama in situ — uma forma muito inicial do tumor —, também pode considerar a tática. Por outro lado, quem apresenta uma mutação nos genes BRCA 1 e 2 (como a atriz Angelina Jolie), ligados ao aparecimento da doença, não se beneficiaria da prevenção com hormonioterapia.
Há, enfim, modelos matemáticos e questionários a serem aplicados pelos médicos que definem a magnitude dos benefícios para cada mulher. É uma questão de conversar abertamente sobre o assunto.
Como funcionam os remédios
Tamoxifeno e raloxifeno bloqueiam a ação do estrogênio, um hormônio muitas vezes envolvido no surgimento do câncer nos seios. “Os medicamentos impedem a proliferação de células tumorais no tecido mamário”, comenta Maria Del Pilar Estevez Diz, coordenadora de oncologia clínica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp).
Já os inibidores da aromatase reduzem o estrogênio em circulação no corpo. “Eles não impedem o ovário de produzir o hormônio, apenas diminuem seus níveis. Por isso, devem ser usados preferencialmente em mulheres na menopausa”, pontua Bello.
O que considerar antes de recorrer a essa estratégia
Primeiro, a hormonioterapia não garante uma proteção completa contra o câncer de mama. “Estamos falando apenas de redução de risco”, pontua Pilar. Até porque existem versões da doença que não são estimuladas pelos hormônios — logo, de pouco adianta bloqueá-los nesses casos.
Como estamos falando de medicamentos, há também efeitos colaterais que pesam na decisão. E eles não são desprezíveis.
O tamoxifeno e o raloxifeno elevam ligeiramente a probabilidade de tromboembolismo, por exemplo. Os inibidores da aromatase, por sua vez, estão associados ao surgimento da osteoporose. “Esses fatores precisam ser avaliados e monitorados durante o uso da medicação”, orienta Bello.
Na consulta, o médico investiga se essas reações adversas são mais ou menos relevantes para cada caso. Se a paciente já tiver um risco aumentado de trombose, talvez o tamoxifeno e o ralofixeno não sejam boas opções, por exemplo.
“A mulher precisa ser bem informada para tomar a decisão de uma maneira consciente e compartilhada com o profissional de saúde”, orienta Pilar.
Outro ponto que dificulta a adesão a esse método é uma possível indução precoce da menopausa. “Algumas mulheres param de menstruar e manifestam sintomas como ondas de calor, insônia e ressecamento vaginal”, aponta Amorim. “Mas é difícil que isso aconteça”, emenda.
Para os especialistas ouvidos pela reportagem, a estratégia é válida quando bem indicada. “Creio que seja até subutilizada, porque ela reduz o risco de morte e evita cirurgias e tratamentos agressivos. Mas, hoje, é difícil convencer alguém a tomar remédio sem estar doente”, afirma Amorim.