O tratamento com plasma convalescente consiste em aplicar a “parte líquida do sangue” de pessoas que já se curaram do novo coronavírus (Sars-CoV-2) em pacientes que ainda estão lutando contra ele. Pois um relatório americano sugere que essa técnica é segura — os testes de eficácia ainda estão em desenvolvimento.
A lógica desse método é simples: quando alguém entra em contato com um vírus, começa a desenvolver anticorpos contra ele. Essas tropas de defesa ficam circulando na corrente sanguínea. Ao coletar o plasma sanguíneo de um paciente recuperado (ou convalescente) e aplicá-lo em alguém que está sofrendo com a Covid-19, os médicos encheriam o organismo doente com anticorpos para debelar a enfermidade.
A questão é que faltam evidências científicas sobre a segurança e a eficácia desse método na pandemia atual. Como falamos em uma matéria anterior, essa estratégia trouxe resultados possivelmente benéficos, mas conflitantes, em surtos de Ebola e Sars. Ela foi empregada até em 1918, durante a pandemia de gripe espanhola.
Esse novo relatório foi criado a partir dos primeiros 5 mil voluntários hospitalizados que receberam plasma convalescente nos Estados Unidos, como parte de um protocolo de pesquisa e de acesso expandido. Todas essas pessoas manifestavam casos graves ou críticos de Covid-19.
Nas primeiras horas após o tratamento, menos de 1% da turma exibiu reações adversas graves, como alergias severas ou lesões nos pulmões. A taxa de mortalidade após sete dias foi de 14,9%. Esse número, embora pareça alto, está dentro da normalidade se você considerar que as pessoas avaliadas estavam com um quadro crítico.
“Entre pacientes hospitalizados por coronavírus, a mortalidade é de cerca de 15 a 20%, e maior ainda em indivíduos na UTI, chegando a 57%”, diz o artigo. Dito de outra forma, parece que o plasma convalescente é tolerável para a maioria dos pacientes.
“Estamos investigando no momento quais pessoas são mais ou menos afetadas pelos efeitos colaterais, o que ajudaria a direcionar essa terapia. Mas ainda é cedo para dizer”, pondera o médico Michael Joyner, do Departamento de Anestesiologia e Medicina Perioperatória da Mayo Clinic, nos
Estados Unidos. Esse expert esteve envolvido com a pesquisa e dirige o programa americano de tratamento com plasma convalescente.
Por mais que os achados sejam encorajadores, esses pacientes precisam ser supervisionados por mais tempo — e mais voluntários devem ser incluídos no relatório.
Além disso, é importantíssimo testar diretamente a eficácia do plasma convalescente contra o coronavírus. A taxa de mortalidade de 14,9% entre os usuários dessa técnica, se comparada com a de outros grupos em estágio crítico da doença, até pode sinalizar um resultado positivo.
Contudo, esse estudo não foi desenhado para medir a eficiência. “Entre outras coisas, precisamos fazer comparações com grupos de controle”, informa Joyner. Em outras palavras, os cientistas pretendem examinar, em um único relatório, quem recebeu plasma convalescente e quem não recebeu, obedecendo uma série de critérios científicos.
Qual será o papel desse tratamento contra o coronavírus?
De acordo com Joyner, se os estudos subsequentes forem positivos, o plasma convalescente pode servir como uma tática para conter os estragos da Covid-19 enquanto não possuímos um remédio antiviral específico ou uma vacina. Seria uma arma para empregar no curto prazo, assim por dizer.
“E talvez a gente possa combinar essa técnica com outros tratamentos”, sugere o médico.
Há, entretanto, uma dificuldade: não é exatamente fácil conseguir plasma convalescente para atender muita gente. É necessário correr atrás de pessoas curadas, verificar se elas estão em condição de fazer a doação, desenvolver uma estrutura mínima de armazenamento e manipulação do material, treinar profissionais para lidar com eventuais reações adversas e com o manejo da técnica…
Antes disso tudo, devemos torcer para que os próximos resultados de segurança e, principalmente, eficácia sejam animadores.
Por fim, estudos com o plasma convalescente ajudarão os cientistas a compreender quais anticorpos produzidos pelo nosso organismo são mais ou menos potentes diante do coronavírus. A partir daí, é possível desenvolver medicamentos que simulem especificamente a ação dos anticorpos mais eficazes.