O projeto DNA do Brasil, lançado no dia 10 de dezembro de 2019, promete incluir a população do nosso país no cenário das pesquisas genômicas globais. Coordenado por Lygia da Veiga Pereira, chefe do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da Universidade de São Paulo (USP), e com apoio operacional da Dasa, ele pretende sequenciar o genoma completo de aproximadamente 15 mil brasileiros — o que pode render frutos à saúde de todos nós.
Qual a importância de um projeto desses no Brasil
De exames que calculam o risco de uma doença surgir no futuro a tratamentos voltados para silenciar mutações no DNA por trás do câncer, a genética já entrou na rotina médica. Mas esses avanços estão ancorados eminentemente em amostras de códigos genéticos de fora do Brasil.
De todos os genomas completos avaliados pela ciência até 2019, 78,39% têm ancestralidade predominantemente europeia, segundo uma apresentação de Lygia da Veiga. Só 1,13% são de origem hispânica ou da América Latina, enquanto outros 2,03% vieram da África.
Ocorre que a população brasileira descende de índios, portugueses e africanos. “Estamos desenvolvendo uma medicina genômica para outras populações que não a nossa”, resume Lygia. O cardiologista Denizar Vianna, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégidos do Ministério da Saúde, concorda: “O Brasil tem uma diversidade étnica que é um grande desafio para a saúde”.
Claro que as informações disponíveis hoje são úteis por aqui, porém seria ótimo conhecer particularidades do DNA nacional. “É necessário descobrir variações do povo brasileiro que poderiam predispor a doenças ou, por outro lado, proteger contra elas”, explica a especialista.
Como vai funcionar a iniciativa
O projeto DNA do Brasil aproveitará a maior pesquisa epidemiológica do país: o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto, conhecido como Elsa Brasil. “Desde 2008, acompanhamos cerca de 15 mil indivíduos”, afirma o médico Paulo Lotufo, professor da USP e coordenador da iniciativa em São Paulo. Com base em amostras de sangue, avaliações médicas e entrevistas, há informações sobre o estado de saúde, os hábitos de vida, as ocupações e por aí vai de toda essa turma.
“A ideia é cruzar esses dados com o genoma de cada um”, diz Lotufo. Para tal, será necessário processar o material genético dos voluntários, que já foi coletado no passado, em máquinas de última geração.
Os sequenciamentos serão feitos em um laboratório da Dasa. A empresa, dona de marcas como Delboni Auriemo e Lavoisier, investiu 6 milhões de reais em infraestrutura para esse projeto — e oferecerá os primeiros 3 mil testes. “Os outros terão um custo atrativo, graças também a uma parceria que firmamos com a Illumina [uma empresa especializada em sequenciamento genético]”, informa Gustavo Campana, diretor médico da Dasa.
O preço exato que cada genoma custará é confidencial, mas a proposta foi mais barata do que a de outros concorrentes. Segundo Lygia da Veiga Pereira, uma oferta derrotada vinda da China disponibilizava cada exame por 650 dólares. Ou seja, os testes para essa pesquisa estarão abaixo disso.
Ainda assim, será imprescindível buscar financiamento para atingir a meta de 15 mil sequenciamentos completos de genoma, e mesmo para superar essa marca no futuro. “Estamos conversando com diferentes grupos para viabilizar isso”, informa Lygia da Veiga.
Os dados produzidos serão armazenados e processados pelo Google Cloud. “Cada genoma gera 15 gigabytes de informação. É muita coisa”, calcula Haroldo Gali, executivo de vendas da plataforma. Os primeiros três mil testes também serão guardados e processados sem custos.
Se não houver imprevistos, Campana estima que os resultados dessa primeira leva de exames estarão disponíveis entre o fim do primeiro trimestre de 2020 e o início do segundo. Entre 12 e 18 meses do início do projeto DNA do Brasil, seria possível sequenciar os 15 mil genomas — desde que haja verba.
Benefícios para a comunidade
Todo cientista poderá apresentar um projeto para começar a utilizar essa inédita base de dados genéticos. Isso abre as portas para diversas pesquisas, de diferentes centros. O time de Lygia da Veiga, por exemplo, pretende estudar variantes do DNA associadas a diabetes e hipertensão, que ajudariam a antever, diagnosticar e mesmo criar novos tratamentos para essas doenças.
Segundo Gustavo Campana, a iniciativa “pode mudar a interpretação dos testes genéticos”. Exemplo: uma eventual anormalidade identificada seria incluída nos exames do futuro. Se você apresentar essa mesma variante genética e realizar o teste, será informado de possíveis repercussões para a saúde — e formas de amenizá-las, que vão de remédios a mudanças no estilo de vida.
Para além da saúde, um braço do projeto DNA do Brasil almeja recuperar parte da história nacional. “Cruzando as informações genéticas com eventos históricos, conseguiremos entender melhor o processo de miscigenação do país”, diz Tábita Hünemeier, bióloga da USP focada nessa linha de pesquisa.