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De dengue a superbactérias: as infecções que preocupam o Brasil

Fomos ao Congresso Brasileiro de Infectologia e mapeamos alguns dos principais desafios envolvendo doenças causadas por vírus e micróbios no país

Por Diogo Sponchiato
Atualizado em 28 fev 2023, 17h11 - Publicado em 19 set 2019, 14h17
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  • Acompanhar o Congresso Brasileiro de Infectologia, cuja vigésima primeira edição acaba de ocorrer em Belém do Pará, é ter um painel do que vírus, bactérias, fungos e companhia vêm aprontando por aí e, ao mesmo tempo, um retrato das diversas (e desiguais) realidades do país. Enquanto regiões ainda penam com doenças que parecem (mas só parecem) coisa do passado, como a hanseníase, nas grandes cidades os hospitais mais modernos já quebram a cabeça para contra-atacar micróbios resistentes e letais. O ponto em comum, e que independe de lugar ou classe social, é: as doenças infecciosas continuam sendo um dos principais desafios de saúde pública no Brasil e no mundo.

    Queda na vacinação, desmatamento e crescimento urbano, mudança climática, falta de informação… Tudo isso conspira para que micro-organismos ganhem terreno e imponham problemas à humanidade. A medicina corre atrás, buscando não só novos imunizantes e tratamentos, mas estratégias mais eficazes de esclarecer e engajar a população a se defender. Inclusive porque, em matéria de moléstias infecciosas, todo cidadão tem um papel a cumprir: seja lavando as mãos e não usando antibiótico por conta, seja limpando o quintal para não dar abrigo ao mosquito da dengue.

    Mapeamos, a seguir, alguns dos temas mais preocupantes debatidos no congresso, que reuniu mais de 2 mil profissionais em Belém entre os dias 10 e 13 de setembro.

    É ano de dengue

    Entre as doenças disseminadas pelo mosquito Aedes aegypti, capaz de transmitir dengue, zika e chikungunya, a dengue já é o principal tormento de 2019. Como o próprio Ministério da Saúde divulgou, já foram registrados mais de 1,4 milhão de casos até agosto deste ano — um aumento de quase 600% em relação a 2018.

    Segundo o infectologista Antonio Carlos Bandeira, da Vigilância Epidemiológica do Estado da Bahia, 65% dos casos e notificações vêm ocorrendo na região Sudeste. Só em São Paulo houve, até março deste ano, um incremento de mais de 2 000% na quantidade de pessoas acometidas. O Centro-Oeste fica em segundo lugar entre as regiões problemáticas.

    O sorotipo 2 do vírus da dengue (existem quatro) é o que mais circula pelo Brasil nesta temporada. Ao suspeitar do quadro — que pode provocar, entre outras coisas, febre, dor de cabeça e no corpo —, o conselho é procurar um serviço de saúde quanto antes. A identificação e o manejo precoce evitam complicações e mortes.

    A tendência de crescimento da dengue felizmente não se repete com dois outros vírus transmitidos pelo Aedes aegypti, o zika (2,3 mil casos prováveis até março de 2019) e o chikungunya (15,3 mil), que se mostram mais estáveis no número de episódios em comparação com o ano anterior.

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    Ainda assim, não dá para bobear com o mosquito. A prevenção inclui desde eliminar os criadouros a recorrer a repelentes e telas em casa. Bandeira reforçou a necessidade de se investir em novas tecnologias, como larvicidas biológicos e vacinas contra as infecções.

    A epidemia dos micróbios resistentes

    Eis um tema inescapável e que dominou boa parte das conferências e debates no congresso. A resistência antimicrobiana, que é a capacidade de bactérias e fungos repelirem os tratamentos disponíveis, já entrou na lista das dez prioridades da Organização Mundial da Saúde (OMS). Algumas projeções vislumbram que, por volta de 2050, o problema vai causar mais mortes que outra doença em ascensão, o câncer.

    As causas do fenômeno não se resumem ao uso indiscriminado de antibióticos e outros remédios na medicina humana. “A maior parte dos antibióticos produzidos hoje é voltada à agropecuária e empregada como fator de crescimento para o cultivo de animais e em algumas plantações”, observou o médico Marcos Cyrillo, diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia.

    A utilização massiva, e que envolve inclusive algumas substâncias similares àquelas que tratam infecções em humanos, tem repercussões, diretas e indiretas, no meio ambiente e até no que acontece dentro dos hospitais. Num mundo em que os micro-organismos são praticamente onipresentes, tudo se encontra conectado. E, quem diria, até o aquecimento global tem um dedo nessa história.

    Cyrillo abordou em uma apresentação o papel da mudança climática no crescimento da resistência antimicrobiana. É que, simplificando uma questão complexa, o aumento da temperatura seria capaz de tornar bactérias e fungos mais perigosos. Acredita-se que esse fenômeno tenha contribuído para o surgimento e a expansão das infecções por Candida auris, um fungo altamente letal e que já causa furor em hospitais (por enquanto, fora do Brasil). Já não dá mais para separar a saúde humana do bem-estar do planeta.

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    A explosão das doenças sexualmente transmissíveis

    Esse foi o título de uma das conferências do congresso. E duas doenças causadas por bactérias que voltaram com tudo protagonizaram discussões. Falamos da gonorreia e da sífilis.

    O termo “explosão” das ISTs — sigla para infecções sexualmente transmissíveis, antigamente conhecidas por DSTs — não é exagerado. De acordo com a infectologista Miralba Freire, professora da Universidade Federal da Bahia, a OMS calcula que mais de 1 milhão de infecções do tipo sejam adquiridas por dia pelo mundo.

    A gonorreia é a segunda IST mais prevalente em boa parte do globo. Segundo a médica, hoje ela atinge mais pessoas jovens e homens que fazem sexo com outros homens. E a doença não apronta só com os genitais, não. “Vem crescendo o número de casos com acometimento do reto e da faringe”, relatou Miralba.

    Da mesma maneira que acontece com outras infecções bacterianas, a gonorreia também atormenta os médicos devido à resistência a antibióticos.

    Para deter seu avanço, precisamos investir em relações sexuais seguras, com o preservativo, e realizar o teste que detecta a bactéria — em alguns grupos, o exame deve ser periódico e repetido com maior frequência.

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    Raciocínio semelhante se aplica a outra IST da pesada, a sífilis. “Ela cresce em todas as regiões do mundo e tem um importante impacto psicossocial e econômico”, afirmou o infectologista Aluísio Segurado, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São mais de 6 milhões de vítimas com idades entre 15 e 49 anos hoje.

    Para o especialista, a ascensão da doença no país não se deve apenas a mais diagnósticos. “Há um aumento na circulação do agente infeccioso”, apontou. A sífilis pode lesar os genitais e ainda desatar complicações em várias áreas do corpo. Gestantes e seus rebentos inclusive enfrentam o perigo da sífilis congênita, quando a bactéria ataca o bebê ainda no ventre materno (muitos casos são fatais).

    Para quebrar a epidemia da moléstia, Segurado salientou a necessidade de esclarecer mais a população e criar condições para que se faça diagnóstico e tratamento quanto antes.

    O drama da hanseníase continua

    A doença provocada pela bactéria Micobacterium leprae — e durante séculos conhecida como lepra — ainda é um desafio para o Brasil. Se passou pela sua cabeça um pensamento do tipo “isso ainda existe?”, saiba que, não apenas existe, como nosso país tem o segundo maior contingente de pessoas com a doença no planeta (só perdemos para a Índia).

    Em uma apresentação emocionada no congresso, o infectologista Marcio Gaggini, professor da Universidade Brasil, em Fernandópolis (SP), convocou médicos, autoridades e sociedade a olharem mais para o problema e suas vítimas, muitas delas esquecidas pelos quatro cantos do país. Segundo o especialista, mais de 200 mil cidadãos podem ter ficado sem diagnóstico e assistência nos últimos anos.

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    O Brasil aloja 91% dos casos de hanseníase da América Latina. Por aqui, a maior parte dos episódios ocorre nas regiões Nordeste e Centro-Oeste. Muitos dos pacientes só descobrem a doença depois que ela provocou deformidades na pele, nas mãos, no rosto…

    A bactéria causadora é transmitida pelo ar — esqueça aquela história de que, ao tocar em alguém com hanseníase, você pegou! — mas pode ser erradicada com tratamento. “As pessoas estão sofrendo hoje com diagnóstico tardio e sequelas”, revelou Gaggini. Campanhas e ações dirigidas a regiões e comunidades mais afetadas pela condição são urgentes.

    Sim, também precisamos conscientizar a população. Na presença de alterações como manchas e lesões na pele, acompanhadas por falta de sensibilidade, procure um médico ou serviço de saúde. Não só existe tratamento para hanseníase como ele pode levar à cura.

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