A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) divulgou uma atualização do posicionamento sobre a condução e a prevenção das doenças isquêmicas do coração (DIC) em mulheres, propondo uma abordagem específica para o controle dessas doenças em pacientes do sexo feminino.
O documento, elaborado pelo Departamento de Cardiologia da Mulher da SBC, traz ainda dados epidemiológicos com base em estudos que apontam o aumento da mortalidade de mulheres mais jovens por DIC (entre 18 e 55 anos), apesar da redução da incidência geral nos últimos 20 anos
No ano passado, a Associação Americana do Coração (AHA) também publicou uma declaração científica ressaltando que homens e mulheres podem apresentar sinais e sintomas diferentes nas doenças cardiovasculares, com pequenas sutilezas.
+ Leia também: Mulheres jovens são as vítimas inusitadas das doenças cardíacas
Por isso, era importante reforçar a importância da identificação dos sintomas para que eles possam receber o tratamento adequado.
De acordo com a cardiologista Gláucia Maria Moraes de Oliveira, uma das coordenadoras do posicionamento, a SBC resolveu fazer uma orientação específica para as mulheres porque já vem estudando as peculiaridades do público feminino há algum tempo – mas faltava um documento formal que englobasse todas as evidências.
“Todos os nossos departamentos tinham estudos sobre mulheres, mas as informações eram dispersas. Resolvemos reunir todas as informações e evidências coletadas sobre mulheres em um posicionamento único para que o médico clínico, que está na ponta do atendimento, tenha uma visão a partir dos especialistas sobre como prevenir, fazer o diagnóstico e tratar essa doença. O infarto nas mulheres é subdiagnosticado e subtratado. Além disso, os resultados desse infarto são ruins porque os desfechos são diferentes em homens e mulheres”, disse a cardiologista.
Principal causa de morte
As doenças isquêmicas do coração ainda são a principal causa de morte de homens e mulheres no Brasil e no mundo – estima-se que ao menos 380 mil brasileiros morrem todos os anos por doenças cardiovasculares.
Segundo o posicionamento da SBC, estudos têm demonstrado que as mulheres apresentam taxas significativamente menores de angioplastia e significativamente maiores de mortalidade hospitalar.
O documento diz ainda que a prevalência de MINOCA (sigla em inglês que significa infarto do miocárdio sem obstrução arterial coronária) também é maior nas mulheres.
Outro dado que chama a atenção no posicionamento é que a taxa de DALYs (anos de vida ajustados por incapacidade) por DIC por 10 mil habitantes foi a segunda causa mais comum de incapacidade nas mulheres (atrás apenas de distúrbios relacionados com a gestação).
O documento aponta também que as mulheres apresentam maior frequência de fatores de risco cardiovasculares não tradicionais – entre eles estresse mental e depressão, além dos fatores de risco inerentes ao sexo, como gravidez e menopausa, por exemplo.
“A mensagem central do posicionamento é a de que a mortalidade por doença isquêmica do coração, representada na sua maior parte pelo infarto, vem crescendo substancialmente entre mulheres jovens. Um terço das mulheres brasileiras morrem de doença cardiovascular e a maioria por infarto. E essas mulheres precisam ter acesso a protocolos de prevenção, tratamento e reabilitação adequados”, afirma a médica.
Ainda de acordo com o documento, menos de 10% das mulheres têm os seus fatores de risco para as doenças coronarianas controlados – com destaque para a hipertensão (menos de 1/3 das mulheres conhecem os seus níveis).
E menos de 50% delas são submetidas a tratamento medicamentoso adequado, além de ser baixa a aderência ao tratamento e haver pouca reabilitação cardíaca.
+ Leia também: Mulheres sobrevivem menos tempo após infarto do que homens
O posicionamento também demonstra que alguns estados das regiões Norte e Nordeste apresentam mortalidade muito maior do que os outros por infarto em mulheres.
“Este fenômeno ocorre pela falta de acesso a um tratamento adequado e pela dificuldade no reconhecimento dos sintomas específicos, o que faz com que as mulheres demorem para buscar o tratamento adequado”, diz a cardiologista.
Ela ressalta que o reconhecimento, a discussão, a educação e o tratamento apropriado das doenças coronarianas nas mulheres são necessários para reduzir os ‘gaps’ no diagnóstico e no tratamento, além dos desfechos desfavoráveis.
“Esse documento vem sistematizar o conhecimento e funciona como uma recomendação, um consenso, com foco em dados brasileiros para que os médicos possam tratar melhor suas pacientes. Tem também o objetivo de conscientizar a população, para que busque mais precocemente ajuda quando sentir algum sintoma, ainda que ele não seja tão típico da doença coronariana”, explica.
Para a cardiologista Juliana Soares, do Hospital Israelita Albert Einstein, quanto mais informação de qualidade sobre o tema houver – tanto para profissionais da saúde quanto para as pacientes – melhor será o manejo das doenças cardiovasculares, englobando aspectos relacionados à prevenção e ao reconhecimento de sintomas.
“Observo na prática diária que quando oportunamente informadas, as mulheres apresentam mais engajamento em relação aos cuidados com a saúde, o que é fundamental para podermos melhorar esse cenário”, disse.
“Por isso, é essencial que sejam disseminadas ações de educação médica pelo país para que as peculiaridades da doença cardiovascular na mulher sejam adequadamente manejadas”, finalizou.
Esse texto foi publicado originalmente na Agência Einstein.