Após a imunização em massa, casos graves e mortes devido ao coronavírus caíram radicalmente e deixaram de ser notícia. Com isso, tem sido cada vez mais comum ouvirmos gente desdenhando da Covid-19, comparando-a com “uma simples gripe”.
Há enganos importantes por trás disso. Primeiro, a gripe não é necessariamente uma doença leve. Em certos grupos, como o de idosos, o quadro pode trazer consequências graves.
Agora, em relação ao coronavírus, é importante lembrar que não conhecemos totalmente as suas consequências. Mas as pistas sobre seus efeitos no corpo são preocupantes.
Recentemente, a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Sabin Vaccine Institute, nos Estados Unidos, publicou em seu Twitter um gráfico que mostra o aumento de risco de complicações sérias a cada reinfecção.
“Destruição de tecido cerebral, problemas vasculares, doenças autoimunes… Parem de falar que a Covid é como uma gripe”, apelou a expert na publicação.
Em outro momento, ela já havia alertado para a relação entre reinfecções e problemas como diabetes, falência de órgãos e até distúrbios mentais.
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De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma a cada 10 infecções pelo Sars-CoV-2 resulta na chamada Covid longa ou síndrome pós-Covid, isto é, quando há acometimentos na saúde após a fase aguda da doença.
“Ainda estamos aprendendo sobre esses processos, mas o que já sabemos é que, quanto mais infecções uma pessoa tiver, maior o risco de enfrentar essa síndrome”, reforça Vera Rufeisen, infectologista do Vera Cruz Hospital, em São Paulo.
Uma forma de se proteger contra essas repercussões é garantindo o esquema completo de vacinação. E aí entra outro dilema.
Até janeiro deste ano, pouco mais da metade dos brasileiros (50,5%) receberam a primeira dose de reforço (ou terceira dose), sendo que a maioria da população já poderia inclusive ter tomado o segundo reforço (ou quarta dose).
Em fevereiro, uma novidade: começaram a ser aplicadas no Brasil as vacinas bivalentes. Essas injeções foram desenvolvidas para oferecer uma proteção mais intensa contra as variantes Ômicron, dominante no mundo até então.
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Nesse momento, a ideia era oferecer essa dose atualizada primeiramente a grupos mais suscetíveis aos riscos da Covid, como idosos, gestantes e profissionais da saúde.
Só que a adesão dos chamados grupos de risco foi tão baixa que o Ministério da Saúde decidiu liberar os lotes para todos acima de 18 anos.
Ou seja, uma parte considerável da população não está com o esquema vacinal completo e, no caso de uma infecção pelo Sars-CoV-2, ainda que não desenvolva um quadro grave de Covid, acaba correndo um risco aumentado de sequelas.
E cabe lembrar que a doença segue em alta. Entre as síndromes respiratórias graves, a Covid ainda é a mais incidente, segundo boletim da Fiocruz.
Neste ano, até o início de abril, a prevalência de casos positivos foi de 12,6% para influenza A; 7,9% para influenza B; 10,9% para VSR; e 68,6% para coronavírus.
“A situação seria menos preocupante se a nossa meta de vacinação estivesse completamente cumprida. Estamos bem até a segunda dose, mas o número de reforços vai mal, sinal de que a população não está tão protegida assim”, enfatiza João Prats, infectologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
A OMS continua recomendando os reforços sobretudo para grupos em alto risco de ter formas graves da doença.
Indivíduos vulneráveis merecem atenção redobrada
Adultos saudáveis e totalmente vacinados podem até se sentir menos preocupados, mas eles seguem convivendo com pessoas imunossuprimidas, gestantes, idosos e crianças pequenas, grupos considerados de risco.
Por isso, certos cuidados são imprescindíveis, como evitar andar por aí ao menor sinal de sintomas gripais. “O perigo de contágio sobe em ambientes fechados, com ar condicionado”, lembra o médico da BP.
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Para quem faz parte do grupo de risco, cabe mais uma vez o alerta: é fundamental atualizar a carteirinha de vacinação.
“Imagine quem fez quimioterapia nos últimos dois anos? Tomou doses dos imunizantes que fizeram pouco ou nenhum efeito. Essa pessoa precisa dos reforços disponibilizados, não pode achar que está protegida com as primeiras injeções”, exemplifica Prats.
Outra situação que preocupa é a de crianças: uma parcela expressiva não foi levada ao postinho para se vacinar e está exposta aos riscos do coronavírus.
É que muitos pais acreditaram em notícias falsas que ligaram os imunizantes a problemas de saúde. Além disso, disseminou-se a crença de que a Covid não provoca sintomas relevantes entre os pequenos.
Um erro crítico: o coronavírus matou uma criança por dia em 2022. Fora isso, meninos e meninas são propensos a apresentar complicações.
As grávidas também aparecem como protagonistas das chamadas fake news, como se os imunizantes provocassem malefícios nelas e nos bebês. Só que é justamente o contrário.
Já havia dados indicando que a transmissão vertical da Covid, isto é, da gestante para o feto, era possível. Na época, pesquisadores apontaram a gravidade da doença como fator determinante nesse processo.
Agora, um estudo publicado na revista Pediatrics mostra lesões cerebrais em dois fetos em decorrência dessa transmissão materna do vírus.
Segundos os pesquisadores, são casos raros, mas que servem como mais um alerta às gestantes.
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“É fundamental que elas se vacinem e tomem os cuidados básicos de sempre, como usar máscaras, não frequentar lugares aglomerados, adotar o distanciamento e caprichar na higienização”, lista Antonio Moron, obstetra e responsável pelo serviço de Medicina Fetal do Hospital e Maternidade Santa Joana, em São Paulo.
Todo mundo tem que se vacinar
Para que as vacinas cumpram bem o seu papel, a população precisa entender que tomar a picadinha não é uma atitude que diz respeito apenas a cada indivíduo. Trata-se de uma medida que tem impacto na coletividade.
E, desde o início da pandemia, especialistas batem nessa tecla. Afinal, quanto mais gente estiver protegida, menos espaço o vírus encontra para se espalhar, se reproduzir e até gerar novas variantes.
“Enquanto o mundo todo não estiver protegido, o coronavírus sempre terá uma chance de circular e resultar em novas cepas. O risco é de voltarmos à estaca zero, com picos da doença e urgência de atualizar vacinas”, afirma Vera.