A quarta dose das vacinas da Covid-19 já está sendo aplicada nos imunossuprimidos brasileiros – aquelas pessoas com o sistema imunológico mais comprometido – e, em determinados estados, também em idosos. Alguns governantes falam inclusive em liberar essa dose extra a toda a população. Mas, nesse caso, a medida não é endossada pela maior parte dos cientistas.
Para eles, essa não é a melhor decisão para o momento atual, já que a taxa de quem recebeu a terceira injeção ainda é baixa no país.
Para ter ideia, até o fim de janeiro, pouco menos de 30% da população brasileira adulta tinha recebido a terceira dose, segundo o site Our World in Data, que reúne dados globais sobre a pandemia.
Ela começou a ser disponibilizada primeiro para idosos. É que, além de ocorrer uma queda da proteção após seis meses da vacinação com duas doses, esse é um grupo que naturalmente já apresenta uma resposta imunológica menor quando recebe qualquer tipo de imunizante.
Depois, a terceira dose acabou liberada para toda a população por causa da chegada da variante Ômicron, que mostrou uma maior capacidade de escapar das vacinas e causar a infecção.
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Diante da explosão de casos provocada por essa cepa e da incerteza sobre o tempo de validade do reforço, entrou em debate, então, a aplicação de uma quarta dose.
Por aqui, o Ministério da Saúde entende que as pessoas com mais de 12 anos com alto grau de imunossupressão têm como esquema primário de imunização três injeções. Para esse grupo, só a quarta picada é que começa a ser chamada de reforço.
Já para a população geral a lógica continua a mesma: a terceira dose é o reforço.
Quarta dose só para grupos específicos
Algumas entidades médicas se manifestaram sobre o tema. Para a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e para a Sociedade Paulista de Infectologia (SPI), a população brasileira e as autoridades de saúde devem priorizar o esquema vacinal completo e garantir que a terceira dose chegue em mais gente antes de partir para a quarta.
Um novo estudo americano — ainda em fase de revisão — defende que a terceira dose já é efetiva para evitar mortes e internações. Foram avaliados 43 voluntários, de 23 a 78 anos, um mês após tomarem o reforço das vacinas da Pfizer ou da Moderna (esta última não disponível no Brasil).
Depois da avaliação, os pesquisadores concluíram que a terceira dose aumenta a ação dos linfócitos B (células do sistema imune) de forma considerável, ao ponto de o organismo conseguir neutralizar variantes, como a Ômicron, em metade da população estudada. Ainda não se sabe, porém, quanto tempo essa proteção pode durar.
“A quarta dose tem se mostrado importante em situações pontuais, com imunossuprimidos e idosos, porque aumenta a proteção contra o vírus nesses grupos. Se houver doses suficientes, até pode ser interessante aplicá-la em profissionais de saúde que estão mais expostos na linha de frente”, analisa Evaldo Stanislau infectologista do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo e membro da diretoria da SPI.
“Mas há outras questões envolvidas quando se fala em quarta dose para toda a população”, pondera o médico.
O problema começa quando olhamos para a oferta de vacinas. Mesmo que um estado (ou cidade) esteja com os estoques abastecidos, é preciso considerar a equidade vacinal dentro do país e também em nível global.
“O mundo todo vive uma crise de suprimento, então não faz sentido dar reforços em algumas regiões enquanto outras ainda têm uma taxa de subvacinação muito importante, como é o caso do continente africano ”, observa o infectologista.
O Brasil também tem lugares com baixa cobertura vacinal. Em Roraima, por exemplo, o esquema vacinal completo não foi oferecido nem à metade da população.
Além disso, Stanislau entende que ainda não há informações suficientes sobre os reais benefícios dessa quarta dose para todo mundo. Seria mais eficiente, então, que cientistas se debruçassem na próxima geração de vacinas, até considerando o surgimento de novas variantes.
Essa visão é respaldada por uma análise publicada em janeiro no British Medicine Journal (BMJ), que reuniu dados de estudos de diferentes países e ressalta que ainda não há uma vantagem clara em aplicar a quarta dose na população geral. Parte dos estudiosos cita como melhor opção dedicar os esforços nas tecnologias que virão.
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Expectativas para o futuro
Para Stanislau, precisamos investir não só em vacinas com outras formulações (devido às variantes), mas também em formas diferentes de apresentação. Um exemplo é a versão intranasal, que impediria a transmissão da doença por vacinados.
O médico comenta que há expectativas também em relação aos imunizantes pangenotípicos. Traduzindo: são aqueles desenvolvidos a partir de um alvo do vírus que é mais estável e menos suscetível às mutações.
Hoje, as vacinas miram na proteína Spike do Sars-CoV-2, porção que mais sofreu alterações, principalmente na Ômicron. Uma saída, portanto, é focar em outros pedacinhos do novo coronavírus.
Se essas novas tecnologias vingarem, pode ser possível até aposentar as doses de reforço. Mas há muita pesquisa pelo caminho para chegarmos a esse ponto.
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Como estão os outros países?
Com base em dados locais sobre casos, mortes e disseminação da Ômicron, cada nação tem adotado a sua própria estratégia para reforçar a proteção contra a Covid-19.
Israel foi o primeiro país a liberar a quarta injeção para a população de risco, que, para eles, são as pessoas com mais de 60 anos e os profissionais de saúde – ou seja, o grupo vai além dos imunossuprimidos.
A Suíça recomenda a quarta dose para pessoas com mais de 80 anos. Já França, Alemanha, Grécia, Espanha, Polônia e Hungria defendem esse segundo reforço para toda a população vista como mais vulnerável – além dos imunossuprimidos, isso pode incluir idosos ou profissionais de saúde em algumas localidades.
Na América Latina, o Chile foi o primeiro país a adotar a quarta dose, com intuito de proteger melhor os imunossuprimidos – medida que, como contamos, também foi seguida pelo Brasil.