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Coronavírus: os bastidores da operação que resgatou brasileiros na China

Médica que coordenou a viagem e a quarentena de brasileiros que moravam em Wuhan revela os detalhes da experiência e a importância das ações contra o vírus

Por André Biernath
Atualizado em 18 ago 2020, 10h48 - Publicado em 2 mar 2020, 12h18
quarentena coronavirus anapolis goias
"Essa experiência me mostrou como nós, brasileiros, somos capazes de improvisar nas condições mais adversas e como conseguimos nos unir para alcançar um bem maior", diz a médica Ho Yeh Li. (Foto: arquivo pessoal/Divulgação)
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Nunca passou pela cabeça da infectologista Ho Yeh Li que ela seria escolhida para uma operação de resgate única na história do Brasil. Coordenadora da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de moléstias infecciosas do Hospital das Clínicas de São Paulo, a médica foi selecionada pelo Ministério da Saúde para acompanhar a missão que trouxe de volta os brasileiros sitiados na cidade chinesa de Wuhan, epicentro da crise do novo coronavírus, que está provocando uma epidemia nesse início de 2020. 

Em menos de dois dias, Ho Yeh Li precisou largar seu trabalho, avisar amigos e familiares e preparar a mala para cruzar o mundo. Na sequência, passou 14 dias isolada junto com outras 57 pessoas na Base Aérea de Anápolis, a 55 quilômetros de Goiânia, em Goiás. A quarentena serviu para conferir se nenhum dos repatriados ou da equipe de suporte estava infectado. 

Na entrevista a seguir, Ho revela detalhes e curiosidades de toda a operação e faz uma análise sobre a atual situação do coronavírus no Brasil e no mundo:

SAÚDE: a senhora pode contar como foi a experiência de resgatar os brasileiros?

Ho Yeh Li: tudo começa com a surpresa de receber o convite de participar dessa operação. Quando o pessoal do Ministério da Saúde me mandou uma mensagem às 8 horas da manhã no dia 3 de fevereiro, eu estava avaliando os pacientes no Hospital das Clínicas, aqui em São Paulo. De cara, achei que era uma brincadeira. Mas logo percebi que tudo era verdade. 

Lembro que comentei com os colegas mais próximos que estava indo para a China. Ninguém acreditava ou diziam que era uma loucura. Nesse mesmo dia, no horário do almoço, me ligaram para confirmar a minha participação no resgate. Só não tinham fechado a data ainda. Resolvi então que não contaria para ninguém até que tivesse tudo organizado.

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No dia seguinte, 4 de fevereiro, me ligaram por volta das 11 da manhã dizendo que eu deveria ir para Brasília nas próximas horas. O embarque com destino a Wuhan seria feito no dia 5. Foi uma loucura deixar as coisas em ordem no hospital, pois não sabia quanto tempo ficaria ausente. Além disso, precisava comunicar a minha família.

Essa experiência me mostrou como nós, brasileiros, somos capazes de improvisar nas condições mais adversas e como conseguimos nos unir para alcançar um bem maior. Eu não conhecia nenhuma outra pessoa da operação e, mesmo assim, criamos um grupo coeso, que respeitou as individualidades e uniu conhecimentos para vencer os obstáculos. A maior emoção, foi, sem dúvida, o sentimento de gratidão dos repatriados. 

Quais foram os principais desafios que apareceram ao longo dessa missão?

Foram quatro: primeiro, como garantir a biossegurança de todos que estavam a bordo, uma vez que não sabíamos ao certo quantos repatriados seriam. Segundo, como trazer tranquilidade aos brasileiros que retornavam ao país. Terceiro, como seria a receptividade dos militares, pois nunca havia trabalhado diretamente com eles. Por último, como lidar com os chineses. 

Feito o resgate, como foi o período de quarentena? O que vocês fizeram ao longo desses dias de reclusão?

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Cada um tentou fazer sua própria programação. Alguns repatriados escreveram uma espécie de diário de bordo, para registrar os acontecimentos. Outros alternavam momentos de atividade física e jogos eletrônicos. As crianças brincavam juntas. Teve quem continuou a trabalhar à distância. Nesses dias, eu participei de videoconferências com representantes do Ministério da Saúde, da Organização Panamericana da Saúde e do Hospital das Clínicas de São Paulo. Segui respondendo os e-mails e mensagens. E aproveitei o tempo para colocar em dia os trabalhos que estavam atrasados.  

Como foi o monitoramento de saúde dos brasileiros que estavam na quarentena?

Os colegas do Instituto de Medicina Aeroespacial (Imae) faziam medidas da temperatura corporal de todos duas vezes ao dia. Além disso, eles aplicavam um questionário de queixas e sintomas, para avaliar a probabilidade de uma infecção. Felizmente, nenhum apresentou sinais de doença e todos foram liberados sem problemas.

Sobre toda a situação do coronavírus, como a senhora avalia o atual momento?

Pela evolução dos últimos dias, o risco de a doença se tornar uma pandemia fica cada vez maior. A presença da infecção sustentada na China é evidente. Dessa maneira, é fundamental um planejamento antecipado para reduzirmos o risco de uma tragédia. 

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E a senhora acredita que a resposta das autoridades chinesas e da Organização Mundial da Saúde foi suficiente para minimizar esses danos?

Conter uma doença transmitida por via respiratória e contato é muito difícil. No passado, nunca houve sucesso absoluto em outras condições parecidas. A melhor saída é a vacina, que trouxe uma solução sustentada para outros quadros, como sarampo, catapora e gripe. Portanto, acredito que o esforço das autoridades chinesas foi louvável para reduzir uma propagação ainda maior. Porém, infelizmente, isso não será suficiente para impedir que a Covid-19 se torne uma pandemia. 

E que avaliação faz da organização do Brasil para evitar que o coronavírus se espalhe por aqui?

As ações do governo brasileiro são exemplares. O planejamento antecipado para vigilância e assistência está bem adequado para a situação atual. Entretanto, com as novas informações sobre a doença aparecendo a toda hora, essa organização fica um pouco mais difícil. É importante lembrar que o Centro de Operações de Emergências do Ministério da Saúde faz reuniões diárias para atualizar dados e o planejamento das ações.

O que podemos aprender com toda essa experiência com o coronavírus?

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Precisamos aprender que novos vírus podem sempre aparecer e que precisamos usar a tecnologia a favor para identificar o agente com rapidez. Além disso, há a necessidade de unir conhecimentos para estabelecer medidas de contenção da doença. A transparência é fundamental para termos sucesso nisso.

Em relação à quarentena, foi a primeira vez que o Brasil realizou uma operação dessas para uma doença infecto-contagiosa na medicina moderna. Esse processo trouxe aprendizados de erros e acertos, o que certamente permitirá um aprimoramento para as demandas futuras.  

Quais foram as principais falhas cometidas que podem ser corrigidas para futuros surtos e epidemias?

No mundo, precisamos aprender a não gerar pânico desnecessário. O impacto dessa epidemia atual ultrapassa qualquer nível. O fechamento de fronteiras nas cidades chinesas está provocando problemas de produção industrial que certamente vão impactar o planeta. Inclusive, vamos sentir falta de materiais hospitalares que são essenciais para tratar a própria doença provocada pelo coronavírus.

Outra questão é a rapidez com que devemos identificar o agente causador da enfermidade e iniciar as medidas de contenção. Na situação atual, um médico chinês percebeu o problema já em dezembro, mas as autoridades daquele país só tomaram ações mais contundentes a partir de janeiro. Isso pode ter contribuído para a dimensão que a doença está apresentando. 

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Dá pra resumir esses aprendizados em três tópicos: transparência, ações rápidas e nada de pânico.

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