Um desejo antigo dos profissionais de saúde é contar com uma vacina que funcione contra diferentes cepas de influenza, o vírus da gripe, e que não precise ser reformulada anualmente por causa da alta capacidade de mutação desse agente infeccioso. Pois uma pesquisa em seres humanos publicada no periódico científico Nature Medicine nos aproximou da tal vacina universal contra a doença.
Antes de falar do estudo, vamos entender o diferencial da proposta testada. As vacinas contra a gripe miram proteínas do vírus chamadas de hemaglutininas (HAs). Essas moléculas ficam na superfície do influenza, ajudando-o a se ligar e invadir nossas células.
Após a injeção, o nosso sistema imunológico gera esquadrões de anticorpos que têm como alvo a HA. O problema é que eles geralmente reconhecem a HA pela “cabeça”. E essa parte da proteína é mais suscetível a mutações. Daí porque todo ano os fabricantes precisam atualizar a vacina para garantir uma eficácia considerável.
Já os cientistas por trás da nova candidata olharam para uma região muito mais estável do vírus: o “caule” das hemaglutininas. O grande desafio era criar uma vacina que estimulasse a produção de anticorpos contra essa parte menos acessível das HAs — elas ficam escondidas pelas “cabeças”.
Os cientistas, então, desenvolveram as chamadas HAs quiméricas (cHA). É um processo complexo, mas que tenta fazer com que o sistema imunológico se concentre mais na produção de anticorpos contra o caule das HAs e menos nas cabeças.
Após testes promissores com animais, a vacina foi aplicada em 65 voluntários norte-americanos de 18 a 39 anos. De acordo com o estudo, o imunizante foi considerado seguro e induziu uma resposta imune ampla, forte, durável e funcional direcionada ao caule da hemaglutinina.
Um ótimo sinal! Ainda assim, restam muitas etapas. O estudo atual é de fase 1: ele apenas avalia a segurança e a resposta imune em poucos indivíduos (o que é diferente de saber se o imunizante de fato evita a doença e sua transmissão).
Além disso, a vacina testada só tinha componentes contra uma cepa do vírus da gripe. Em entrevista para a Science, o virologista Florian Krammer, coautor do trabalho, disse que deve demorar ao menos dois anos para criar HAs quiméricas contra outras versões de influenza, que então seriam combinados em uma única dose. Após essa etapa, a potencial vacina universal deverá ser testada em grandes estudos de fase 2 e 3 antes de chegar à população.
A boa notícia é que outros imunizantes com o mesmo raciocínio também estão sendo testados. É possível que, no futuro, tenhamos uma vacina que ofereça uma proteção mais prolongada e eficaz contra a gripe.