Não à toa a biópsia líquida é tão falada nos congressos médicos de oncologia. Para quem está tratando um câncer, é só mais um exame de sangue. O médico, no entanto, recebe informações valiosas que podem mudar o rumo do tratamento.
Esse exame é possível porque parte da informação genética dos tumores escapa para a corrente sanguínea. É o chamado DNA tumoral circulante (ctDNA). Ao identificar o tipo e características mais específicas do câncer, a prescrição de medicamentos, cirurgia e outros tratamentos tendem a ser mais acertados.
No caso de remédios, há as terapias-alvo, com moléculas desenvolvidas para atacar tipos bem específicos de tumores. Ao encontrar uma mutação na amostra de DNA, é possível usar fármacos feitos para ela.
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Por outro lado, por ser uma tecnologia nova, ainda não é possível utilizá-la em todos os casos. Existem diversas análises genéticas possíveis, mas hoje ela é mais utilizada em quadros já mais graves.
“A biópsia líquida já é efetiva quando se trata de um câncer avançado, com metástase, justamente por esses traços serem mais detectáveis na corrente sanguínea”, explica o oncologista Rodrigo Dienstmann, diretor de Medicina de Precisão no Grupo Oncoclínicas.
Ela poderá ser, no futuro, uma alternativa a biópsia tradicional, feita pela análise do próprio tumor em laboratório ou de tecidos do órgão atingido. Essa opção ainda é mais indicada e considerada o padrão ouro no diagnóstico do câncer e definição do tratamento.
Em alguns cenários, ela seguirá insubstituível. “Cânceres pediátricos raros e cerebrais são alguns dos tipos que sempre exigirão a análise usual, porque eles não deixam esse rastro no sangue”, exemplifica o médico.
O exame de alto custo também ainda não é coberto pelos planos de saúde, mas Dienstmann acredita que isso deve mudar em breve para alguns cenários.
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Biópsia líquida para evitar a quimio
Para além dos estágios mais avançados da doença, esse exame ainda é pouco acessível. Um exemplo de uso possível é quando a biópsia líquida é utilizada para verificar se há doença residual mínima após a retirada do tumor.
É comum passar por quimioterapia ou radioterapia depois dessas intervenções para evitar o risco de serem deixados resquícios da doença no organismo que podem fazer o câncer voltar um tempo depois.
Quem tem a chance de passar por esse exame e não identificar mais traços cancerígenos pode pular essas sessões, que deixam o indivíduo debilitado.
“Essa é uma tecnologia com um potencial gigante, mas ela é mais sensível e complexa, ainda estamos entendendo como funciona, por isso é mais vista em estudos”, afirma Dienstmann.
O médico conta que o maquinário utilizado nesse cenário é o mesmo dos quadros avançados, mas a dificuldade de análise é o que impacta a viabilidade.
Laboratórios brasileiros oferecem a tecnologia, porém no mundo hoje há apenas duas grandes empresas com profissionais capacitados a fazer essa investigação, e elas estão concentradas nos Estados Unidos. “Todos os outros países ainda dependem de enviar o material para lá, por isso tem um alto custo”, explica o médico.
No que compete às pesquisas, os resultados são animadores. Um estudo divulgado no ano passado usou a biópsia líquida para avaliar se 455 pacientes que foram operados para retirar um tumor no cólon teriam resquícios da doença. O grupo foi dividido em dois grupos: 302 fizeram o exame e outros 153 seguiram o tratamento sem a investigação sanguínea.
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As pessoas que passaram pelo exame e não encontraram vestígios tumorais foram poupadas da quimioterapia. Mesmo sem ela, três anos depois tiveram um risco baixo de retorno da doença comparado aos que seguiram os passos tradicionais.
“Com mais acesso será possível superpersonalizar o tratamento, reduzir as sessões de quimioterapia ou escaloná-las quando o caso precisar de atuação mais agressiva”, diz o médico.
Existe ainda uma outra possibilidade, ainda sendo estudada, de usar a biópsia líquida para rastrear precocemente alterações genéticas que podem identificar o desenvolvimento de um câncer.
Outro desafio de ampliar o uso da biópsia líquida é em relação ao conhecimento de genética de médicos e profissionais que atuam nesses laboratórios. “Não é exatamente falta de formação, mas são tecnologias novas que ainda estão sendo chegando ao mercado”, avalia o oncologista.