Ludwig van Beethoven (1770-1827) já estava praticamente surdo quando começou a criar, aos 48 anos, sua obra mais famosa, a Nona Sinfonia. Se existissem aparelhos auditivos na Viena do século 19, o compositor, que sofria de otosclerose, doença genética que compromete a estrutura interna do ouvido, teria conseguido trabalhar até o fim da vida.
Quase dois séculos depois, esses dispositivos eletrônicos prestam serviço a pessoas nas mais diversas faixas etárias e ocupações – de músicos a quem curte “apenas” ouvir um som. E, agora, dão um concerto de modernidade: estão cada vez menores e mais conectados, são à prova d’água e ostentam baterias de longa duração.
Não pense que é pouca gente que deve comemorar a tendência. No Brasil do século 21, algo em torno de 10 milhões de cidadãos apresentam algum grau de perda auditiva. Desse total, 2 milhões não ouvem quase nada e só se comunicam quando o interlocutor aumenta bastante o tom de voz.
“A causa mais prevalente de perda auditiva é o envelhecimento”, aponta a fonoaudióloga Luciana Macedo de Resende, da Universidade Federal de Minas Gerais. “No entanto, a surdez decorrente de poluição sonora tem ocorrido em uma idade cada vez mais precoce”, alerta. É isso que amplia o escopo de atuação dos aparelhos auditivos. “Sempre que a perda de audição interferir na comunicação e no aprendizado, o médico deve indicá-los”, diz o otorrinolaringologista José Ricardo Testa, presidente da Sociedade Brasileira de Otologia.
O déficit auditivo tem, em geral, dois grupos de causas: as congênitas, como a otosclerose de Beethoven, e as ambientais, caso da idade e da exposição a barulho. Diante de suspeitas, o conselho é fazer os exames audiológicos. “O ideal é detectar o problema quanto antes. Isso não quer dizer que a deficiência vai estacionar ou regredir, mas, com o uso de uma prótese, conseguimos maximizar a audição do usuário”, explica Thelma Costa, presidente do Conselho Federal de Fonoaudiologia.
Os dispositivos modernos
É aí que entra a nova geração de aparelhos auditivos. Falamos de apetrechos que, de tão pequenos, praticamente somem na mão do usuário. De versões com baterias duradouras. De modelos que se conectam à internet e a outras plataformas.
O futuro já começou nesse mercado que, só nos Estados Unidos, tende a crescer 5% ao ano até 2020 – algo que deve ecoar no Brasil. “O tamanho do aparelho ainda é o maior atrativo para quem sofre de perda auditiva. Quanto menor, melhor para o paciente”, observa a fonoaudióloga Thelma Costa.
Por aqui, um dos principais destaques na seara de lançamentos é o aparelho Opn, da Telex Soluções Auditivas, o primeiro conectado à internet. Com tecnologia de última geração, ele dá ao usuário a possibilidade de se ligar, via internet ou bluetooth, a celulares, tablets e computadores. Não bastasse, ainda permite ao dono decidir o som que mais lhe interessa captar no ambiente e ajustar o volume do ruído ao seu redor. “O resultado é uma audição muito próxima ao normal”, garante a fonoaudióloga Isabela Carvalho, especialista em audiologia da Telex.
Na trilha das inovações, a companhia Phonak acaba de lançar o Audéo B-R, que inaugura a classe de aparelhos recarregáveis no planeta. Com apenas três horas de carga, proporciona uma autonomia de 24 horas de audição.
O segredo está nas baterias de íons de lítio, semelhantes às usadas em celulares. “O fato de o indivíduo não precisar manusear baterias microscópicas encoraja muitos deles, principalmente os mais idosos, a aderir ao uso”, avalia a fonoaudióloga Talita Donini, gerente de produtos da Phonak.
Há ainda modelos que permitem fazer mergulhos de até 1 metro de profundidade durante 30 minutos. E detalhe: ouvindo música durante o nado.
De fato, por mais arrojados que sejam os novos modelos, a relutância em usá-los ainda é grande. Para muitos, aparelho auditivo é sinônimo de velhice ou, pior, surdez. E nem adianta argumentar que pessoas usam óculos de grau e, nem por isso, são chamadas de cegas. Puro preconceito ou falta de informação, né?
“Essa rejeição costuma ser natural no início”, diz a fonoaudióloga Kátia de Freitas Alvarenga, da Universidade de São Paulo (USP). “Depois que você explica que o aparelho vai ajudá-los a recuperar a habilidade de ouvir e interagir, tendem a perder o preconceito”, explica.
Em nome da discrição, porém, empresas já vêm bolando aparelhinhos totalmente internos – ao contrário das versões tradicionais, esses dependem de um procedimento para a instalação. No Brasil, 35 pacientes, com graus de deficiência de leve a severa, já se submeteram à técnica que consiste em implantar um dispositivo de 3,5 milímetros de espessura dentro do ouvido.
“A exemplo dos modelos convencionais, ele amplifica o som que chega ao ouvido. Só que fica debaixo da pele e ninguém vê”, descreve o otorrino Iulo Baraúna, que realizou a primeira cirurgia com o sistema da Cochlear no país.
O fim do silêncio
Apesar da eficácia nos casos de déficit leve ou moderado, há situações que os aparatos de última geração não resolvem. Quando a perda auditiva é profunda, por exemplo, não raro a solução recai no implante coclear. Nessa intervenção, já batizada de “ouvido biônico”, eletrodos fazem as vezes da cóclea, lá dentro da orelha. “A técnica é indicada nos graus severo e profundo ou quando os aparelhos já não oferecem benefício”, esclarece Luciana de Resende.
Foi assim com a gaúcha Paula Pfeifer Moreira, de 36 anos. Quando ela tinha 16, foi diagnosticada com surdez severa. Ao completar 31 anos, já sem ouvir absolutamente nada, decidiu fazer a cirurgia de implante coclear – em 2013, no ouvido direito e, em 2016, no esquerdo. “A adaptação foi mágica e cansativa ao mesmo tempo. Mas não me arrependo. Faria tudo outra vez”, conta Paula, que já conversa normalmente ao telefone, algo que não fez durante 15 anos. De casos brandos a graves, é a tecnologia progredindo em busca dos decibéis perdidos.
Perda auditiva não escolhe idade
Na infância, ela pode ser causada por infecções, lesões na cabeça ou remédios tóxicos ao ouvido. “O tratamento deve ocorrer logo após o diagnóstico. Caso contrário, ocorrem prejuízos ao córtex auditivo”, explica a fonoaudióloga Kátia de Freitas Alvarenga, da USP. A
inda que isso aconteça, felizmente existe um número expressivo de aparelhos para os pequenos. Uns com luzes que indicam falta de bateria, outros com presilhas que evitam a perda da prótese… “Só que as crianças precisam de uma equipe bem treinada para ajudá-las a se adaptar ao dispositivo”, salienta a otorrino Tânia Sih, da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Os graus da perda de audição
Leve: a pessoa até interage em um bate-papo entre amigos, mas tem dificuldade para decifrar cochichos, por exemplo.
Moderada: não se consegue falar ao telefone ou assistir à televisão sem aumentar o volume do aparelho.
Severa: é impossível manter uma conversa em tom normal (60 dB). O indivíduo só consegue escutar ou se faz entender em volume bem alto.
Profunda: a pessoa escuta apenas ruídos estridentes como os de buzina, de britadeira ou aparelho de MP3 no volume máximo (entre 110 e 130 dB).