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O mundo também é dos vírus. E o virologista e especialista em coronavírus Paulo Eduardo Brandão, professor da Universidade de São Paulo (USP), guia nosso olhar sobre esses e outros micróbios que circulam por aí.

Febre aftosa: conheça a história da doença mais temida da pecuária

País é considerado livre da doença, mas é preciso manter a vigilância ativa para preservar a cadeia produtiva do gado

Por Paulo Eduardo Brandão
5 Maio 2025, 10h43
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Febre aftosa não mata os bovinos, mas leva a uma perda significativa de peso (Ilustração: Thiago Lyra/Veja Saúde)
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Comunidades de caçadores-coletores não têm descanso. Sempre têm que estar atras da caça ou se preparando para correr atrás da presa (ou, às vezes, para correr dela, se ela reagir).

Sem dúvida é uma vida em harmonia com a natureza, já que não há por que caçar mais do que se pode comer em pouco tempo. Ainda há uma diversidade de culturas que segue este estilo de vida e é insensato dizer que por isso são mais primitivas. Mas, e se a caçada não der certo? Será que não tem um jeito mais fácil de sobreviver?

Foi o que alguém pensou há mais de 10 mil anos no Oriente Médio: por que não pegar uns filhotes desses grandes quadrúpedes com chifres, trazê-los para casa e ver se eles crescem e tem mais filhotes? Claro que é mais fácil dizer do que fazer, mas surgiu aí a primeira fazenda de gado da História, de onde veio o gado que chamamos hoje de europeu, do qual a clássica vaca preta e branca é um exemplo.

A mesma ideia deu certo na Índia há 7 mil anos, dando no gado zebuíno, como o Nelore, que predomina no Brasil.

Pronto: agora não há necessidade de ir todo dia caçar para preparar um hambúrguer. Isso não só beneficiou a nós, sobretudo considerando o papel que a ingestão de carne teve no aumento da complexidade do nosso cérebro, mas também, por mais paradoxal que pareça, aos bois, pois ficaram mais tranquilos quanto a ter grama para pastar e proteção contra predadores.

+Leia também: A dura verdade sobre a dieta carnívora

Só que os bois trouxeram com eles suas próprias comunidades de bactérias, sua Virosfera e outros micro-organismos, que se deram muito bem com o aumento da densidade populacional dos rebanhos, facilitando com que se transmitissem de um a outro e, de quebra, ganhando velocidade evolutiva.

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Alguns exemplares, como uma das bactérias que causam tuberculose, aprenderam a infectar também seres humanos. Mas outro passageiro indesejável dessa revolução na produção de alimentos, mesmo que não signifique nada para a saúde humana, é a causa da mais temida doença da pecuária: o vírus da febre aftosa.

O nome vem da capacidade deste vírus em causar aftas na boca dos bovinos. Com a boca cheia de feridas e com a língua tão afetada que começa a perder sua “pele”, ninguém consegue comer bem. E um boi que não come não ganha peso. Se for uma vaca leiteira, dá no mesmo: ela perde peso e a produção de leite para.

A febre aftosa não é uma doença letal para os bois, mas a perda de peso é gigantesca. Ao contrário do que diz o ditado, de que “o que não mata, engorda”, aqui deveríamos dizer “o que não mata, emagrece”.

E o resultado vai aparecer lá na hora de o pecuarista receber o dinheiro pelo seu trabalho.

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Somando um boi mais um boi doente, uma fazenda mais outra com febre aftosa, o prejuízo dos oligopólios que concentram a produção de carne e leite pode ser de bilhões de dólares, não só pela quebra da produção, mas porque uma região com febre aftosa não pode exportar seus produtos para outro países. Afinal, junto com carne pode ir o indesejado passageiro.

Numa situação como essa, ficam ameaçados os empregos que dependem da indústria pecuária, desde o peão que cuida do gado até quem trabalha em matadouros, açougues, na produção de vacinas e medicamentos para bois e por aí vai. Uma ampla reação em cadeia de prejuízos.

E isso tudo causado por um dos menores vírus conhecidos, que é dez vezes menor que um coronavírus, mas incrivelmente mais resistente. Pode ficar horas no meio ambiente e semanas viável em carnes congeladas e, pasmem, pode ser levado pelo vento por até 300 km.

Isso porque, ao contrário do coronavírus, o vírus da febre aftosa não tem um envelope, que é uma estrutura bem frágil, e a estrutura resistente da “casca” viral do aftosa é difícil de quebrar. Ah, outra coisa: este também é um vírus com genoma feito de RNA, e isso quer dizer que sua diversidade aumenta incrivelmente a cada vez que ele se reproduz.

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No mundo dos vírus, quanto mais diversos, mais espertos. Quando entra pela boca ou nariz dos bois, ele se reproduz muito rápido e, em poucos dias, as lesões de boca já aparecem. Na verdade, a aftosa não é só de bois: búfalos, cabras e ovelhas (ruminantes como os bois) e porcos são susceptíveis. Há raríssimos casos em humanos — apenas 19 registrados na história. 

Para controlar e erradicar a aftosa, os animais têm que ser vacinados todos os anos.  Se a vacinação chegou a erradicar a doença em um país, ele é declarado “livre com vacinação” e a situação ideal é a “livre sem vacinação”, onde não há circulação da aftosa e não é mais necessário vacinar.

É nesta que a pecuária no Brasil está, mas isso só dará certo se as autoridades sanitárias forem capazes de manter uma vigilância bem atenta, pois o  “melhor” modo de considerar uma doença erradicada é não procurar por ela, mas sofrer as consequências depois…

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