Dia desses, Larissa Albuquerque, de 33 anos, pegou um vestido no armário, se olhou no espelho e, num misto de brincadeira e admiração, soltou: “Nossa, que mulherão, hein?”. O sentimento de autoestima elevado é compartilhado pela irmã, Daiene, de 37 anos. “Hoje em dia, acordo bem mais feliz”, resume. “Estou na melhor fase da minha vida!”.
Faz muito pouco tempo não era assim. Sair de casa com short? Nem pensar! Ir à praia com os filhos? De jeito nenhum! Com vergonha do próprio corpo, as duas se trancavam em casa.
Quando elas tinham 15 e 19 anos, respectivamente, escaparam por pouco de um incêndio em um depósito de tintas e solventes, de propriedade de um tio delas, na cidade de Guarulhos, na Grande São Paulo (SP). Na tragédia, Larissa teve 55% do corpo queimado e Daiene, 25%.
“Houve um tempo em que a gente praticamente morou em hospital”, recorda Larissa.
Foram tantas as cirurgias plásticas, estéticas e reparadoras, que as irmãs Albuquerque até perderam as contas. “Já tínhamos prometido que nunca mais faríamos um procedimento do gênero”, explica Daiene.
No começo do ano, Larissa conheceu o trabalho desenvolvido pelo casal de tatuadoras Raquel Gauthier e Margarita Sultanova no estúdio Sobre Essa Pele, em São Paulo. Conheceu e se apaixonou.
Raquel e Margarita transformam cicatrizes em tatuagens.
Tudo começou em 2020 quando elas participaram de um projeto durante o Setembro Amarelo, mês dedicado à conscientização e à prevenção do suicídio. “Vários tatuadores trabalharam com pessoas que tinham cicatrizes de automutilação”, conta a brasileira Raquel.
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Pouco tempo depois, uma cliente apareceu no estúdio pedindo uma tatuagem para cobrir uma queimadura no pé. “Naquele momento, entendemos que aquilo era um chamado e que estávamos no caminho certo”, completa a russa Margarita.
Desde então, já atenderam mais de 350 mulheres: desde vítimas de acidentes até sobreviventes de violência, passando por pacientes de mastectomia, entre outras. “Esse número cresce à medida que as pessoas descobrem o impacto positivo que a tatuagem pode ter na autoestima delas”, explicam as duas.
Daiene conta que, a princípio, estava relutante em fazer a tattoo. “Se Larissa gostasse, faria também”, pensou.
Mas, no último minuto, acabou não resistindo aos argumentos da irmã. “Tinha vergonha da vida que levava. Até para jogar lixo na rua, precisava vestir calça. Os vizinhos podiam fazer perguntas ou tecer julgamentos”, lamenta.
Larissa compara o incêndio a um sequestro. Por 18 anos, elas viveram como prisioneiras. Quem pagou o resgate, dizem, e as tirou do cativeiro foram Raquel e Margarita. “A impressão que eu tinha é que eu continuava presa em 2006. A tatuagem me libertou. Meu passado ficou para trás. Agora, eu posso viver a minha vida”, emociona-se Larissa.
“Viramos duas obras de arte ambulantes”, brinca Larissa. “Nossa autoestima está nas alturas”, diverte-se Daiene.
“Queremos que as pessoas vejam a tatuagem como uma ferramenta de autocuidado e transformação”, sublinha Raquel Gauthier.
Depois de virar curso e palestra, o trabalho desenvolvido por Raquel Gauthier e Margarita Sultanova acaba de ganhar uma série documental de TV, Sobre Essa Pele, que estreou no dia 24. Quatro dos dez episódios já estão disponíveis na plataforma de streaming Max.
A partir do episódio 5, os novos serão lançados semanalmente no Max e no canal Discovery Home & Health, onde serão veiculados às quintas-feiras, sempre às 20h30.