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Tá na internet, tá na TV, tá nos livros... tá no nosso dia a dia. O jornalista André Bernardo mostra como fenômenos culturais e sociais mexem com a saúde — e vice-versa.
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O que a minissérie “Maid” nos diz sobre relacionamentos abusivos

Em entrevista exclusiva, autora do livro que deu origem à série de TV conta os bastidores de sua história e os desafios da violência doméstica

Por André Bernardo
31 dez 2021, 09h47

Eis o diálogo entre uma vítima de relacionamento abusivo e uma assistente social:

– Há vagas no abrigo de violência doméstica. Mas você disse que não é violência doméstica, certo?
– Não sofri agressão. Detestaria tirar a vaga de alguém que sofreu agressão de verdade.
– “Agressão de verdade”? O que isso quer dizer?
– Espancada. Machucada.
– E o que seria “agressão de mentirinha”? Ameaça? Controle? Intimidação?

A conversa faz parte da minissérie Maid, sucesso da Netflix. Ela é livremente inspirada no livro da americana Stephanie Land, que tem o mesmo título e poderia ser traduzido como “Diarista” – por aqui, a edição em português saiu como Superação – Trabalho Duro, Salário Baixo e o Dever de Uma Mãe Solo (Alta Life).

A produção para TV estreou em 1º de outubro de 2021 e, desde então, não saiu mais do ranking das dez séries mais populares da atualidade. “Não esperava que uma minissérie sobre relacionamento abusivo e violência doméstica fizesse tanto sucesso”, admite Stephanie.

“Muitas vezes, quem sofre abuso emocional acaba convencendo a si mesmo que abuso emocional não é abuso. Para essas vítimas, abuso só é abuso se houver violência física”.

Na história da Netflix, Stephanie Land é Alexandra “Alex” Russell (vivida por Margaret Qualley), uma jovem aspirante a escritora de Washington que vive um relacionamento abusivo com um bartender com problemas com o álcool.

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Certo dia, ela e Sean (Nick Robinson) brigam por causa de louça suja. Visivelmente embriagado, o rapaz atira uma tigela de vidro na direção de Alex. Aos gritos e palavrões, ainda abre um buraco na parede do trailer onde moram com um murro.

+ Leia também: Relacionamento abusivo: como identificar e superar?

Com medo de que algo pior aconteça, Alex espera Sean dormir para pegar a filha no colo, acomodá-la no banco de trás do carro e dar o fora. Com apenas 18 dólares no bolso, Alex e Maddy (Rylea Nevaeh Whittet), de apenas 2 anos, passam a noite, abraçadas, dentro do veículo.

A protagonista não sabe, mas atirar objetos é, sim, um ato de violência. Os exemplos, aliás, são incontáveis: espancar, torturar, sacudir ou apertar os braços, estrangular ou sufocar, provocar lesões com objetos cortantes ou perfurantes, causar ferimentos por queimaduras ou armas de fogo…

Mas também há o abuso emocional. “E ele é o pior que existe”, acredita Stephanie. “O abusador controla sua vítima e a isola de tudo e de todos. Quando o abuso se torna físico, a vítima está tão destruída emocionalmente que não sabe mais para onde ir nem a quem pedir ajuda”, prossegue.

Stephanie Land, com as filhas Coraline e Story.
Stephanie Land, com as filhas Coraline e Story. (Foto: Netflix/Divulgação)

Já ouviu falar em gaslighting?

A violência física não é o único tipo de agressão que existe. Há mais quatro: psicológica, sexual, patrimonial e moral. A psicológica é qualquer conduta que causa estragos à saúde emocional da mulher. Contempla ameaça, insulto, chantagem, humilhação e gaslighting. Espera aí. O que significa esse termo de origem inglesa?

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“É uma estratégia de manipulação emocional que desqualifica a outra pessoa e coloca em xeque sua saúde mental”, explica o psiquiatra e educador Jairo Bouer. “Na maioria das vezes, o gaslighting é sutil, mas frases do tipo ‘Você está ficando louca’, ‘Olha só o que você está falando’ ou ‘Todo mundo sabe que você não está bem’ ligam o alerta vermelho”.

Logo no primeiro episódio de Maid, Sean pratica gaslighting. É na cena em que ele põe em dúvida a sanidade de Alex. “Você está batendo bem?”, questiona o rapaz, cínico. “Eu não sou louca!”, responde Alex. “Foi você que me acordou enfurecido e socou a parede”.

Para sobreviver, Alex arranja emprego como diarista, sem direito a férias remuneradas ou plano de saúde. Ganha 9 dólares por hora. Na primeira casa que limpa, desmaia de fome.

Lançado em 2019, o livro de Stephanie mereceu uma indicação de leitura de Barack Obama. “É o olhar pessoal e inflexível de uma mãe solteira sobre a divisão de classes na América, uma descrição da corda bamba em que muitas famílias andam apenas para sobreviver e um lembrete da dignidade”, escreveu o ex-presidente dos Estados Unidos.

+ Leia também: “A mulher cuida da família, dos amigos e esqueci de olhar pra si”

No Brasil, a adaptação do livro para a Netflix ganhou elogios da escritora Martha Medeiros. “Maid é sobre feridas que não ficam visíveis através de hematomas. Que são abertas na alma, sem chance de cicatrização”, refletiu. “É urgente assisti-la, ainda mais se você é mulher”.

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Stephanie trabalhou como diarista por seis anos, de 2008 a 2014. Por diversas vezes, teve que limpar até três casas num único dia. Em 2014, mudou-se com a filha, Story, hoje com 14 anos, para a cidade de Missoula.

Lá, se matriculou no curso de Escrita Criativa da Universidade de Montana graças a uma bolsa de estudo destinada a alunos de baixa renda. Ainda na faculdade, começou a publicar seus primeiros textos em jornais e revistas, como Time, The Guardian e The Washington Post. Um deles deu origem ao livro, que, por sua vez, deu origem à série.

Em novembro de 2019, quando vendeu os direitos da obra, Stephanie viajou para Port Townsend e Mount Vernon, ambas em Washington. Ao lado da roteirista Molly Smith Metzler e dos produtores executivos John Wells e Erin Jontow, respondeu a mais de 200 perguntas sobre sua vida e a de sua família. Além disso, visitou alguns dos lugares onde morou e compartilhou fotos de seu acervo pessoal.

“Como produtora executiva, não me envolvi diretamente na elaboração dos roteiros ou na seleção de elenco. Não queria que fosse uma adaptação literal da minha vida e, sim, uma minissérie inspirada numa história real”, explica. Por essa razão, os nomes dos personagens e das locações foram alterados.

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Começar de novo

Hoje, aos 43 anos, Stephanie Land ganha a vida como escritora. Um de seus autores favoritos, aliás, é Paulo Coelho. Não por acaso, ela cita O Alquimista e sua frase mais famosa – “Quando você quer algo, o Universo inteiro conspira para você conseguir” – em Maid.

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Dos seus 140 mil seguidores nas redes sociais, muitos deles são do Brasil. Ao saber que uma em cada quatro mulheres brasileiras já sofreu abuso físico ou psicológico do pai, irmão ou companheiro, Stephanie passa uma mensagem: “Encontre alguém que ouça você e, principalmente, acredite no que tem a dizer. Não é só isso. Tão importante quanto encontrar alguém como a Danielle [personagem na série interpretada por Aimee Carrero] é ser alguém como a Danielle”, observa a escritora, referindo-se à moradora do abrigo que acolhe Alex e, entre outras coisas, a encoraja a lutar pela guarda de sua filha.

“Seja um porto seguro onde suas amigas encontram abrigo quando necessário. Se uma delas sumiu do mapa e você não tem mais notícias, entre em contato quanto antes. Acredite: um simples telefonema para saber se está tudo ok pode salvar uma vida”, garante.

Em 2018, Stephanie se casou com Timothy Faust. O casal tem três filhas (James, Story e Coraline) e um São Bernardo chamado Keats e mora em Missoula, no estado de Montana.

Os tipos e o ciclo de violência doméstica

Os especialistas dividem os episódios em cinco esferas:

1. Violência física: espancamento, estrangulamento ou sufocamento, lesões com objetos cortantes ou perfurantes, ferimentos causados por queimaduras ou armas de fogo e tortura, entre outros;

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2. Violência psicológica: ameaças, constrangimento, humilhação, isolamento (proibir de estudar, viajar ou falar com amigos e parentes), vigilância constante, perseguição contumaz, insultos, chantagem e gaslighting;

3. Violência sexual: estupro, obrigar a mulher a fazer atos sexuais que causam desconforto ou repulsa, impedir o uso de métodos contraceptivos ou forçar a mulher a abortar, forçar matrimônio, gravidez ou prostituição por meio de coação, chantagem ou suborno;

4. Violência patrimonial: controlar o dinheiro, deixar de pagar pensão alimentícia, destruição de documentos pessoais, furto, extorsão ou dano, estelionato, privar de bens, valores ou recursos econômicos, causar danos propositais a objetos da mulher ou de que ela goste, entre outros;

5. Violência moral: acusar a mulher de traição, emitir juízos morais sobre a conduta, fazer críticas mentirosas, expor a vida íntima, rebaixar a mulher por meio de xingamentos que incidem sobre sua índole e desvalorizar a vítima pelo seu modo de se vestir.

+ Leia também: Chega de violência contra o idoso

Agora entenda as três fases do ciclo da violência e por que é crucial quebrá-lo:

1. Aumento da tensão: O agressor mostra-se tenso e irritado por coisas sem importância, como louça suja na pia, e chega a ter acessos de raiva. Nessas horas, humilha a vítima, faz ameaças e destrói objetos. Para evitar o pior, a mulher tenta acalmar o agressor. Ou prefere nem falar nada. Na maioria dos casos, a vítima pensa que é a culpada pelo comportamento violento do agressor.

2. Ato de violência: Chega uma hora em que o agressor explode e, num acesso de fúria, agride a vítima. A agressão pode ser verbal, física, psicológica, moral ou patrimonial. Das duas, uma: ou a vítima paralisa de medo ou toma uma atitude. Quando resolve dar um basta na situação, busca ajuda, denuncia o agressor, esconde-se na casa de amigos e parentes, pede a separação ou comete suicídio.

3. Comportamento carinhoso: Aparentemente arrependido do que fez, o agressor pede desculpas à vítima e tenta a reconciliação. Explica que estava com a “cabeça quente” e promete que “vai mudar”. Em geral, a vítima se sente confusa e, quando o casal tem filhos, tende a aceitar o pedido de reconciliação. A relação entre vítima e agressor entra em modo “lua de mel”. Até o próximo momento de tensão…

Não se cale, denuncie. Ligue 180!

A Central de Atendimento à Mulher é um serviço criado para combater a violência contra a mulher e oferece três tipos de atendimento: registros de denúncias, orientações para as vítimas e informações sobre leis e campanhas.

Fonte: Instituto Maria da Penha

 

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