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Tá na internet, tá na TV, tá nos livros... tá no nosso dia a dia. O jornalista André Bernardo mostra como fenômenos culturais e sociais mexem com a saúde — e vice-versa.
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O labirinto da mente de quem tem Alzheimer no filme “Meu Pai”

Obra que faturou dois Oscar trata dos desafios e dilemas de um homem e uma família que passam a conviver com a demência

Por André Bernardo
27 Maio 2021, 15h41
cena do filme o pai
Cena do filme "Meu Pai", protagonizado por Anthony Hopkins. Ator levou o Oscar por interpretar um senhor com demência.  (Foto: Divulgação/SAÚDE é Vital)
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O jornalista e escritor Fernando Aguzzoli não aguentou ficar acordado até tarde no dia 25 de abril para assistir à cerimônia de entrega do Oscar. No entanto, vibrou muito ao descobrir, na manhã do dia seguinte, que seu candidato favorito na categoria de Melhor Ator tinha vencido a disputa. A torcida por Anthony Hopkins tinha razão de ser. No filme Meu Pai, estreia de Florian Zeller na direção, o ator galês de 83 anos interpreta um engenheiro aposentado que, para desespero da filha, vivida pela atriz inglesa Olivia Colman, começa a apresentar sinais de demência.

Em 2012, Aguzzoli viveu um drama parecido. Quatro anos antes, sua avó, Nilva, recebera o diagnóstico de Alzheimer. Diante disso, seu neto resolveu trancar o curso de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e desistir de montar sua própria startup só para cuidar dela, sua “melhor amiga” e “parceira de aventuras”, que morreu em dezembro de 2013.

“O filme me fez lembrar os muitos papéis que assumi durante o Alzheimer da vovó. Já fui seu irmão, seu vizinho, seu pai… Já fui tudo no mesmo dia, mas também já fui nada”, recorda o autor dos livros Quem, Eu? – Uma Avó, Um Neto, Uma Lição de Vida (Paralela – clique para comprar) e Alzheimer Não É O Fim – Estratégias para familiares e amigos (Fontanar – clique para comprar). “Não me incomodava ser, em sua memória, um vizinho ou seu irmão. Medo eu tinha de não ser ninguém”.

Não reconhecer a própria filha é apenas um dos sintomas de demências como o Alzheimer. Ao longo de seus 97 minutos de duração, Anthony – o protagonista do filme recebeu esse nome em homenagem ao ator – vive esquecendo onde guardou o relógio, não lembra que sua outra filha morreu em um acidente, nem consegue vestir seu casaco sozinho.

O médico e gerontólogo Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade, admite que lapsos de memória podem, sim, ser sinais de Alzheimer. Mas pondera que, para diagnosticar a doença, é preciso levar em conta um conjunto de manifestações. Mais que isso, elas precisam ser analisadas dentro de um contexto e não isoladamente.

“Todo mundo já esqueceu, em algum momento da vida, onde guardou o relógio, as chaves ou os óculos, não é verdade? Lapsos de memória podem acontecer com qualquer um. Dos sintomas descritos no filme, o mais alarmante é não reconhecer a filha”, afirma Kalache. Há outras pistas, porém. Abrir a geladeira e encontrar um monte de produtos com a data de validade vencida é uma delas. Sair para dar um passeio na rua e não encontrar o caminho de volta é outra.

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O neurologista Breno Barbosa, do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), aponta mais dois sintomas: quando o idoso começa a se tornar repetitivo, ou seja, faz a mesma pergunta diversas vezes, e apresenta desorientação temporal, isto é, confunde a data ou o dia da semana. “O esquecimento vira sintoma quando é recorrente e interfere nas atividades diárias. O indivíduo começa a precisar de ajuda para realizar tarefas que, antes, desempenhava com autonomia”, explica.

Baseado numa história real

O roteiro do filme, também premiado pelo Oscar, foi coescrito pelo dramaturgo francês Florian Zeller em parceria com o roteirista britânico Christopher Hampton a partir de uma peça de sua autoria, Le Père. Zeller tinha 15 anos quando sua avó começou a apresentar sinais de demência. Em 2012, aos 33 anos, ele resolveu fazer alguns ajustes na história e, em homenagem à avó, estreou Meu Pai.

O espetáculo é a segunda parte de uma trilogia iniciada em 2010, com A Mãe (La Mère, em francês), e concluída em 2018, com O Filho (Le Fils). De lá para cá, O Pai já foi montado em mais de 40 países. No Brasil, o personagem-título foi interpretado por Fúlvio Stefanini. A versão brasileira do espetáculo, sob direção de Léo Stefanini, ficou quase três anos em cartaz.

Se Hopkins faturou o Oscar, Stefanini ganhou o Shell. “Assim que li o texto, fiquei fascinado. Além de ser um tema diferente, a narrativa é muito interessante. Não há qualquer traço de pieguice ou melodrama. É tudo muito realista e verdadeiro”, elogia o ator, que perdeu a conta das vezes em que foi abordado por espectadores que disseram: “Você parecia meu pai!”. “Todo mundo conhece alguém que sofre ou sofreu de Alzheimer. A minha avó, há muitos anos, começou a ter reações estranhas. Ninguém sabia como agir. Naquele tempo, não se falava em Alzheimer. Diziam que ficou ‘senil’ ou ‘gagá’”, recorda o ator.

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Como envelhecer bem?

Passado tanto tempo, os cientistas ainda não descobriram a cura do Alzheimer. Apenas o controle dos sintomas. E, mesmo assim, em uma fase inicial da doença. “Os principais fatores de risco preveníveis são hipertensão, diabetes e sedentarismo. Portanto, a adoção de um estilo de vida saudável, aliado à prática regular de atividades intelectuais, como ler, fazer palavras-cruzadas ou aprender um novo idioma, poderia ajudar a evitar até 40% dos casos”, calcula Barbosa. “Infelizmente, os 60% restantes estão relacionados a causas não preveníveis, como herança genética e envelhecimento em si”, completa o especialista da ABN.

Alexandre Kalache acrescenta que envelhecer bem não significa cuidar apenas da parte física, mas também do lado social, psicológico e financeiro. “Cultivar um propósito é fundamental. Ter um objetivo na vida estimula o indivíduo a seguir adiante. Gosta de ler? Que tal, então, frequentar bibliotecas públicas, participar de rodas de leitura e fazer novas amizades?”, sugere. O médico ressalta: “Se você quer envelhecer bem, quanto mais cedo você se preparar, melhor. Mas nunca é tarde para começar”.

Emoção à flor da pele

Quando adaptou sua peça teatral para o cinema, Zeller sonhava ter Anthony Hopkins como protagonista. Por essa razão, transpôs a história de Paris para Londres e mudou o nome do personagem de André para Anthony. Até a data de nascimento do personagem é a mesma do ator: 31 de dezembro de 1937. Deu certo: Anthony Hopkins não só aceitou o convite, como levou a estatueta dourada para casa, a segunda de sua carreira – a primeira veio em 1992 por sua atuação como Hannibal Lecter em O Silêncio dos Inocentes.

Bem, levar a estatueta para casa é força de expressão. No dia da premiação, Hopkins não estava em Los Angeles e, sim, em South Wales, sua terra natal, visitando o túmulo do pai. “Escrevi o roteiro para o Anthony Hopkins porque ele é o melhor ator vivo”, declarou Zeller em seu discurso de agradecimento. “Achei que não seria possível porque sou francês, como vocês podem perceber pelo meu sotaque, e ele é o Sir Anthony Hopkins”.

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Das muitas cenas tocantes do filme, duas, em especial, comoveram Aguzzoli. Quando Anthony sai à procura do relógio… “Quando vovó não encontrava o maço de cigarro, a coisa ficava feia. Caminhava de um lado para o outro, acusava todo mundo de roubo e distribuía insultos pela casa”, relata o neto. E quando o protagonista chama a filha de “insensível” e “manipuladora”.

“Essa cena me trouxe lembranças difíceis. Quando ouvimos a voz de quem amamos dizer o impensável, é duro não levar para o lado pessoal”, admite o escritor. Na obra, enquanto Anne, a filha, tenta contratar mais uma cuidadora para fazer companhia ao pai, seu companheiro sugere mandá-lo para um asilo.

Quem também transbordou de emoção, durante as filmagens, foi o próprio Anthony Hopkins. Em entrevista, ele contou que se inspirou no pai, Richard, para compor o personagem. Certo dia, o ator se envolveu tão profundamente numa das cenas em que briga com a filha que, visivelmente abalado, pediu ao diretor para suspender as filmagens por um dia até ele se recompor.

“O texto do Zeller toca as pessoas de forma muito comovente. No teatro, então, nem se fala. Houve um dia em Porto Alegre que, ao término da sessão, o público aplaudiu de pé. Naquela noite, eu não consegui segurar a emoção. Caí em prantos”, recorda Stefanini, que pretende, tão logo termine a pandemia, estrear uma nova temporada de O Pai.

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