Luto. O psicanalista Christian Dunker recorreu à escrita para elaborar a morte da mãe, Elisabete Dunker, em 2016. Primeiro, ela recebeu o diagnóstico de Alzheimer. Depois, começou a perder a memória. Por último, sofreu um acidente doméstico. Para superar sua morte, o professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) publicou Lutos Finitos e Infinitos (Paidós, 2023 – clique aqui para compra).
“A gente morre um pouco quando perde alguém”, afirma o autor de O Palhaço e o Psicanalista: Como Escutar os Outros Pode Transformar Vidas (2019), Uma Biografia da Depressão (2021) e Ciência Pouca É Bobagem? Por quê Psicanálise Não É Uma Pseudociência (2023), entre outros livros de psicanálise. “E, no caso do Alzheimer, você vai perdendo a pessoa em vida. É um processo muito longo e doloroso”.
O livro de Dunker não foi o único a ser lançado sobre o tema em 2023. Uma pesquisa rápida no sistema de busca de uma grande livraria revela que, só este ano, foram lançados 14 livros no Brasil com luto no título. Um deles é Manual do Luto (Bertrand Brasil, 2023), do poeta Fabrício Carpinejar.
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Será reflexo de uma pandemia que, só no Brasil, matou 708 mil pessoas? Ele acredita que sim.
“Reflexo direto”, crava o poeta. “Todo mundo, por um momento, se não perdeu um familiar ou amigo, pensou que poderia morrer. Foi uma reflexão a respeito de nossa importância: quem somos ou o que estamos fazendo de nossa vida?”.
A ideia de escrever O Manual do Luto surgiu ainda durante a escrita de seu livro anterior, Depois É Nunca (2021). “Um livro era para fora, para quem não estava propriamente enlutado, e o outro era para dentro, para quem estava no interior do processo de suportar uma perda. São complementares”, conclui o autor de Família É Tudo (2019), Colo, Por Favor! Reflexões Em Tempos de Isolamento (2020) e Coragem de Viver (2021), entre outros.
O tema suscitou reflexão até no exterior. A psicóloga norte-americana Mary Frances O’Connor publicou O Cérebro de Luto: Como a Mente Nos Faz Aprender com a Dor e a Perda (Principium, 2023).
Sua vontade de estudar o tema surgiu aos 26 anos, quando perdeu a mãe, vítima de câncer. Hoje, ela é coordenadora do Laboratório de Luto, Perda e Estresse Social do Departamento de Psicologia da Universidade do Arizona, nos EUA.
“Quando estamos ao lado de alguém enlutado, temos que estar dispostos a ouvir o que ele tem a dizer. Mas atenção: ouvir sem julgar. Temos que amá-los e sentir compaixão. Não precisamos consertar nada para fazê-los se sentir melhor”, afirma O’Connor.
A dor que não tem nome
Mas o que Dunker, Carpinejar e O’Connor teriam a compartilhar sobre essa palavrinha de quatro letras que, derivada do latim luctus, quer dizer “dor”, “mágoa” e “lástima”?
Christian Dunker pondera que não há prazo definido para a duração de um luto. Quatro semanas, seis meses, um ano? Nada disso!
Alguns lutos podem durar mais. Anos, até. É o caso da morte em que o enlutado não dispõe de um corpo para velar.
Como, então, assimilar que aquela perda é irreversível ou, então, que aquela pessoa não vai mais voltar?
“Quando o enlutado começa a se culpar pelo que aconteceu ou a dizer que viver não faz mais sentido, ele pode precisar de ajuda profissional para elaborar seu luto. É quando a tristeza não passa. Pior do que isso. É quando a angústia resolve morar dentro de nós”, alerta Dunker.
Já Mary Frances O’Connor observa que não existe nada mais doloroso do que o famigerado “E se?”. E se eu tivesse levado fulano mais cedo ao hospital? E se o médico tivesse solicitado mais exames?
“O problema desses e de outros pensamentos é que eles nos impedem de viver o momento presente”, explica a psicóloga. “A dolorosa verdade não há nada que você possa fazer agora a não ser viver o momento presente. Lá, você encontra tristeza, raiva e dor. Mas, encontra também prazer, conexão e amor”.
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De tudo que Carpinejar leu, pesquisou e refletiu sobre o luto, o que mais teria chamado sua atenção? “Existe uma mentira social que diz que o luto passa, ou que a dor diminui com o tempo. Não é verdade”, sublinha.
O poeta completa que não há luto maior ou menor. Mas classifica a perda de um filho como “uma monstruosidade”. “É a única dor no mundo que não tem nome”, diz. “Quanto mais cedo a partida, maior o desamparo. O futuro não vivido é uma ferida para sempre aberta”, lamenta.