Hoje nosso diálogo vai ao encontro do que temos como mais genuíno, o território onde nascemos. Muitos decidem voluntariamente emigrar para outro país. Mas imagine ser considerada uma pessoa apátrida, que não é titular de nenhuma nacionalidade, ou mesmo refugiada, precisando solicitar abrigo em função de sua etnia, religião ou opinião política?
Pois bem. É sobre este tema que trataremos com os psicólogos Maria Vitória Silva Paiva e Clefaude Estimable. Maria é psicóloga clínica, mestre em relações étnico raciais e autora do livro Fronteiras, Travessias e Desafios. Estimable é membro da Rede Internacional de Imigrantes e Refugiados da América Latina e Caribe e conselheiro titular do Conselho Estadual dos Direitos dos Refugiados, Migrantes e Apátridas.
Atualmente o mundo vive uma onda migratória sem precedentes, um fluxo muitas vezes forçado ou involuntário, devido a mudanças climáticas, catástrofes naturais e conflitos geopolíticos. Muito poderiam ser os temas dialogados sobre o tema aqui, aspectos políticos, econômicos, sociais, mas esses dois psicólogos vem nos falar aqui do olhar de quem migra, no guarda-chuva da mediação intercultural.
A mediação intercultural foi desenvolvida como uma proposta pedagógica e terapêutica, aberta e dinâmica para acolher pessoas provenientes de outras culturas, idiomas e histórias diferentes.
Nosso país se inseriu no cenário internacional das migrações e isso exige do Estado não apenas receber as pessoas em deslocamento, mas acolhê-las com todas as suas bagagens culturais e históricas. Esta realidade contribui com a criação de um novo Brasil dentro do Brasil.
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Situação dos imigrantes no Brasil
Atualmente o pais tem cerca de 1,5 milhão de imigrantes e 140 mil pessoas em situação de refúgio. Contudo, a maioria das ações de acolhimento é realizada por organizações da sociedade civil, especialmente as entidades religiosas e as organizações não governamentais (ONGs).
Por um lado, o país apresenta posições de abertura para com pessoas migrantes, refugiadas e apátridas em termos jurídicos, com normativas como o Acordo de Residência entre países do Mercosul, o Visto Humanitário, a promulgação do Estatuto do Refugiado de 1997 e a nova Lei de Migração, aprovada em maio 2017.
Por outro, ainda não conta com uma política institucional de acolhimento. Relatos dos beneficiários do serviço da mediação intercultural nas instituições públicas mostram que a migração forçada gera um impacto psicológico para aqueles que precisam deixar seus locais de origem.
A intensificação do fluxo migratório marca um novo momento na assistência, na educação e na saúde coletiva e isso exige de cada profissional um processo de ressignificação das práticas profissionais tendo em vista a diversidade do público atendido. Trata-se de um momento propício para profundas reflexões sobre o fazer-pensar sobre o importante papel da mediação intercultural nas instituições públicas.
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Desafios para a saúde mental dos imigrantes
A dificuldade de comunicar-se, a incompreensão linguística e cultural, a discriminação, xenofobia, racismo e o choque cultural são fatores que prejudicam a saúde mental da população migrante, refugiada e apátrida.
Ouvimos frequente no nosso meio comentários e debates acerca da migração e do migrante, muitas vezes esses comentários provocam desconforto para os mesmos.
Pensando nesta realidade, a migração pode ser um fator de sofrimento e isolamento social de pessoas provenientes de outros países.
O processo começa com a preparação: pesquisa pela internet, troca de e-mails e mensagens em redes sociais, contato com amigos ou conhecidos e, em seguida, venda dos bens materiais, solicitação de visto, compra de bilhete, etc. Nesta fase, a pessoa/família pode viver períodos de euforia, tensão, ou mesmo uma ansiedade antecipada.
Além disso, existe quem decide migrar e quem é obrigado a migrar, o que modifica consideravelmente o modo de adaptação e qualidade de experiência para cada um. Algumas famílias vendem tudo o que possuem e a migração passa ter um caráter definitivo, sem expectativa de volta. Outras se deslocam deixando um ponto seguro ou planejando ficar fora por um tempo, mas mantendo a ideia de retornar.
O ato de migrar
O ato de migrar é definitivamente mais complexo e, ao mesmo tempo, mais interessante e altamente relevante para a sobrevivência.
Migramos por múltiplas razões: guerras, desastres naturais, situações políticas e econômicas, religiosas, acesso a melhores condições de saúde, realização profissional, relacionamentos, relações amorosas, etc. Hoje, em muitas situações, parece não haver outra alternativa para o ser humano que não seja migrar.
Assim, para um imigrante ou refugiado, a migração significa potencializar uma diversidade de funções, incluindo a capacidade de aprender um novo idioma, de memorizar e tomar decisões e fazer escolhas.
Conforme mencionado, ao migrar, a pessoa enfrentam muitas adversidades, contudo, a neuroplasticidade do nosso cérebro é fundamental na superação dos desafios sociais e emocionais.
A implementação da mediação intercultural nos serviços públicos contribui significativamente na atenuação do sofrimento emocional dos migrantes que chegam ao Brasil, este país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, parefraseando Jorge Ben Jor.
Os autores do texto realizarão palestra sobre o tema no dia 5 de Setembro às 19:30 no Instituto Afinando Vidas na Rua Marquês de Itu nº95, cj. 22 – República – São Paulo.