Relâmpago: Revista em casa a partir de 10,99
Imagem Blog

Relações Simplificadas

Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Como anda sua saúde mental? O psicólogo e psicanalista Francisco Nogueira, membro efetivo do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e cocriador da consultoria Relações Simplificadas, reflete sobre as questões da mente humana para lidarmos melhor com os desafios do mundo de hoje

Adolescência “cutuca” culpa dos pais diante do imponderável

Obra da Netflix discute angústias de criar um filho em um tempo marcado pelo forte individualismo e pela ruptura do tecido social

Por Francisco Nogueira
8 abr 2025, 10h46
serie-adolescencia-pais
Na série Adolescência, pais são confrontados com dilemas da vida moderna  (Netflix/Reprodução)
Continua após publicidade

“Eu não sei onde isso vai dar”, disse ela no início da sessão de análise. Parecia uma referência ao assunto que pretendia trazer, mas, como normalmente acontece, o que ela falava era de uma angústia. E angústia é algo que não precisa de licença para aparecer, nem pode ser disfarçada.

A angústia de “não saber onde isso ia dar” era apresentada em plano contínuo, como na série Adolescência, sucesso absoluto na Netflix.

Os problemas que a capturaram na tela refletiam os próprios, da sua vida, do seu filho de doze anos e do sentimento de impotência que a série havia despertado diante de tantas questões que foram levantadas.

Questões que, assim como aconteceu com ela, mobilizaram as pessoas intensamente. Tornaram-se parte do debate público, dos grupos de pais no Whatsapp, das comunidades de amigos e familiares que precisam lidar diretamente com os temas que Adolescência foi capaz de mobilizar tão bem.

+Leia também: Adolescência: 6 alertas da série da Netflix para os pais

A culpa e a desorientação dos pais na cena de encerramento da série refletem a grande pergunta que se faz diante dos riscos de criar um filho. Como se faz? O que é certo? O que é errado? E, claro, como evitar que a ficção se repita na realidade?

Acredito que grande parte do impacto da série se dá por ela ter colocado diante de todos a realidade de que não há um manual, não há uma certeza. De que, apesar de querermos e desejarmos o melhor para nossos filhos, não estamos no controle absoluto, não temos como garantir totalmente sua segurança, seu futuro.

Continua após a publicidade

Aceitar o imponderável pode ser difícil para qualquer um. Mas aceitar o imponderável na vida dos nossos filhos pode ser mais difícil ainda.

Isso não quer dizer, é claro, que não há nada a ser feito.

+Leia também: Nas tramas da adolescência: não é fácil ser jovem nos dias atuais

Os pais atuais e a culpa

Nasce uma mãe, nasce uma culpa, segundo um dito popular desatento ao alerta de Freud.

Para o grande psicanalista, governar, educar e psicanalisar seriam ofícios impossíveis. Ou seja, o desbravamento da experiência da parentalidade está marcado pela condição de uma certa impossibilidade.

Continua após a publicidade

É uma experiência que não assegura um resultado “x” ou “y”, que confronta os pais com a sua própria impotência, com surpresas e culpas inevitáveis, em maior ou menor grau. Por mais e melhor que os pais se esforcem por fazer, algo sempre sairá do “controle”, do “esperado”. Estamos no domínio do imponderável.

E esse sentimento de culpa e de desamparo diante da criação dos filhos encontra-se agravado por uma questão do nosso tempo: o individualismo.

Os pais de antes, que usavam da força e da violência contra crianças, ainda que completamente equivocados em seus métodos, contavam com a (também equivocada) certeza de que sabiam o que estavam fazendo.

Uma certeza lastreada por referências coletivas, comunitárias, menos livres e mais rígidas, que os protegiam de certas dimensões de culpa e angústia que estão mais presentes na atualidade e que vemos em Adolescência.

Continua após a publicidade

Na série, o pai do garoto, buscando refúgio em suas qualidades (que são reais), reafirma sua decisão de não repetir o tipo de educação que ele havia recebido de seu pai, marcadamente violenta e fisicamente agressiva: “Nunca bati em meus filhos”.

Assim como ele, a atual geração de pais (ou pelo menos a maior parte dela) acertadamente abandonou a violência como forma de educação dos filhos. Mas, por outro lado, enfrenta uma vulnerabilidade maior em face ao individualismo que marca a nossa subjetividade contemporânea.

As referências coletivas foram substituídas pelo individualismo também na forma de criar os filhos. E, como consequência, o medo de errar e a culpa ganharam outra gravidade ao se abater exclusivamente sobre os indivíduos pais e mães.

+Leia também: Como construir uma relação positiva com as crianças?

Liberdade ou segurança?

O sociólogo Zygmunt Bauman lembrava Freud ao apontar que no mal-estar da pós-modernidade reside uma inversão em relação ao binômio liberdade-segurança.

Continua após a publicidade

Enquanto a modernidade era marcada pela falta de liberdade e pelo excesso de segurança, o mundo atual se apresenta como muito inseguro, porém livre como jamais se pensou.

Mas a liberdade também cobra um preço. Hoje, se não contamos com a segurança dos tempos dos nossos pais e avós, também não pagamos o preço da repressão que ela traz: seremos sempre melhores por não batermos em nossas crianças.

Ao mesmo tempo, em nossa liberdade, podemos escolher as nossas metodologias, visões e filosofias de educação dos nossos filhos. Mas tudo indica que o convívio com o imponderável é mais angustiante de ser vivido neste mundo em que o tecido das referências comunitárias ficou por demais esgarçado.

Enquanto não buscarmos soluções coletivas para um problema que é de todos nós, transitaremos solitários no angustiante limite entre fazer o melhor possível e, mesmo assim, não saber onde isso vai dar.

Continua após a publicidade
Compartilhe essa matéria via:

 

 

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 5,99/mês
ECONOMIZE ATÉ 59% OFF

Revista em Casa + Digital Completo

Receba Veja Saúde impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
A partir de 10,99/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a R$ 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.