O preço da escassez: os impactos da falta de acesso à saúde no Brasil
Colunistas demonstram como essa questão mexe com a vida do paciente, da sociedade e dos setores público e privado
Nas nossas últimas colunas, trouxemos para os leitores de VEJA SAÚDE alguns dados que dão um panorama sobre a saúde brasileira a partir de uma perspectiva que é especialmente cara para nós: o acesso. Mostramos o desafio a partir de informações disponíveis e atuais sobre o maior sistema público de saúde do mundo.
Agora, queremos ir além e fazer um diagnóstico sobre as consequências da falta de acesso, que vão muito além da carência pontual de um médico nas cidades localizadas no Brasil profundo ou na região periférica de uma grande cidade.
Na prática, não lidar com o desafio do acesso à saúde tem um alto custo para o sistema público, para os pacientes e também para o setor privado. Vamos a cada um deles.
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Impacto na saúde pública
O SUS sofre – e desperdiça recursos – quando falha em ações de prevenção e rastreio de doenças cujo tratamento tem alto custo, como é o caso do câncer. Quando diagnosticado precocemente, ele tende a custar menos, muito menos. Um bom exemplo, sobre o qual temos nos debruçado com dedicação, é o câncer de colo de útero, a quarta doença que mais mata mulheres no Brasil. É um problema de fácil tratamento e solução, desde que seja detectado cedo.
Uma das consequências do desafio do acesso ao diagnóstico precoce aparece nas variações de taxas de mortalidade da doença nas diferentes regiões do Brasil. O câncer de colo de útero é a primeira causa de óbito oncológico entre mulheres na região Norte (15,7%) e a terceira no Nordeste (8,2%). Enquanto na região Sul fica na quinta posição (4,8%) e na sexta no Sudeste (4,3%).
Impactos para o paciente e a sociedade
Outro exemplo no desafio do acesso ao especialista, que também acompanhamos de perto na SAS Brasil, está nos olhos das crianças. A Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica (SBOP) recomenda que todas as crianças entre 3 e 5 anos realizem ao menos um exame oftalmológico completo. Missão impossível em um país onde metade dos 17 mil oftalmologistas está em 14 dos mais de 5 mil municípios.
A consequência disso vai além da saúde. Embora a princípio não seja instintivo reconhecer a ligação entre problemas oftalmológicos e abandono escolar, a nossa experiência e os dados de pesquisas têm mostrado que crianças que enxergam mal tendem a largar os estudos simplesmente porque não conseguem acompanhar as aulas – e porque nunca ninguém cogitou que o problema do aluno considerado “displicente” pode ser um ou outro grau de miopia ou hipermetropia.
Crianças que abandonam a escola custam caro para a sociedade: tornam-se adultos dependentes e pouco produtivos, que largam para trás também seu potencial de aprendizado. Isso pode ser corrigido com algo tão simples quanto uma consulta oftalmológica no momento certo – e acesso a óculos de grau para corrigir o problema. Já vimos mais de uma vez o despontar de um sorriso de criança por poder, literalmente, enxergar o mundo de uma forma melhorada.
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Impacto para o setor privado
É consenso que a saúde privada precisa passar por uma revisão estrutural e estratégica. Os reajustes constantes nos valores dos planos de saúde, índices crescentes da Variação do Custo Médico Hospitalar (VCMH), e a inflação médica são indícios de um setor em desequilíbrio.
Preços mais altos dificultam o acesso. Sem uma reestruturação, teremos um número cada vez menor de pessoas dispostas a arcar com a despesa de um convênio. O que, por sua vez, também tornará a sustentabilidade do negócio mais desafiadora. A sensação é de uma bola de neve.
Saídas
A solução com certeza é complexa e deve envolver diversas estratégias. Algumas delas têm relação direta com o que discutimos aqui, como um investimento maior em medicina preventiva e em trazer inovações tecnológicas que facilitem o acesso e tragam mais eficiência.
Na próxima coluna, aprofundaremos na solução da telecolposcopia, e como ela pode ser um exemplo do potencial que a saúde digital tem para trazer benefícios para pacientes, sistema de saúde público, e setor privado. No caso, combatendo o câncer de colo de útero.