De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), saúde “é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. Mas uma das dificuldades de certas especialidades médicas, como a cardiologia, é justamente sair do plano material. Há uma falta de prática por parte dos especialistas em abordar questões psicológicas e morais com os pacientes.
Os profissionais da área deveriam chamar para si essa responsabilidade. Até porque está comprovado cientificamente: nossa maneira de pensar e sentir e nossas reações habituais podem nos levar a desenvolver enfermidades morais, que desencadeiam doenças físicas importantes, como as cardiovasculares.
A enfermidade moral é a resposta subjetiva do paciente que se encontra em estado de desarmonia, mesmo não havendo confirmação ambulatorial ou laboratorial que traga um diagnóstico preciso. Também pode haver ocorrência de alterações bioquímicas, hormonais e desfechos clínicos. As causas da enfermidade moral estão intrinsecamente ligadas à espiritualidade, inclusive na cardiologia.
Evidências científicas mostram que indivíduos com mais espiritualidade apresentam menos fatores de risco para doenças cardiovasculares. Eles fumam menos, praticam mais atividade física, têm pressão e colesterol controlados e menor incidência de diabetes. Além disso, a espiritualidade se relaciona com menores níveis de citocinas e marcadores inflamatórios, substâncias que contribuem para o surgimento de doenças do coração.
Estudos apontam, por exemplo, que pacientes com maior espiritualidade, ao serem submetidos a cirurgias cardíacas, têm menos complicações no pós-operatório, bem como menos estresse, depressão e ansiedade. Em cardiopatas, quanto maior a espiritualidade, menor a progressão da doença ao longo dos anos.
Efeitos colaterais da falta de espiritualidade
Sabe-se que pessoas estressadas, competitivas, agressivas ou raivosas estão mais propensas a cardiopatias, distúrbios do ritmo cardíaco e demais complicações cardiológicas. Aqueles que convivem com esses sentimentos sofrem com estresse e, consequentemente, com os efeitos negativos desse modo de vida.
Isso ocorre porque, nessas condições, o coração é submetido à ação intensa de adrenalina, o que provoca aumentos intermitentes da frequência cardíaca e da pressão arterial, sobrecarregando o sistema cardiovascular.
Um estudo norte-americano chamado CARDIA (Coronary Artery Risk Development in Young Adults) reforça que altos níveis de hostilidade tendem a contribuir para a doença cardiovascular precoce. Em contrapartida, ele demonstrou que a terapia direcionada à redução dessa emoção reduziu o risco de um novo infarto não letal em mais de 50% dos casos.
Outro dado apresentado pelo levantamento aponta que programas de reabilitação cardíaca e treinamento físico podem diminuir a hostilidade e melhorar o bem-estar após grandes eventos coronarianos.
Já a disposição ao perdão se associa beneficamente à doença arterial coronariana, enquanto a gratidão obtém melhores desfechos clínicos em insuficiência cardíaca. De maneira geral, perdão e gratidão têm exibido bons resultados gerais relacionados à saúde mental e física.
Diante desses fatos, muitos discutidos em artigos científicos publicados na edição especial da Revista da SOCESP sobre Espiritualidade, Cardiologia Comportamental e Social, comprovamos que, cada vez mais, o paciente precisa ser visto pelos profissionais de saúde de maneira integral. Ele deve ser submetido a uma abordagem ampla, uma vez que questões espirituais e de comportamento podem ser metade do problema, mas também metade da cura.
*Álvaro Avezum é cardiologista, diretor da SOCESP e coeditor da Revista da SOCESP – Cardiologia Prática – Espiritualidade, Cardiologia Comportamental e Social