Infelizmente, há uma prevalência feminina em dois cenários aparentemente distintos, mas que na verdade convergem. Elas são as maiores vítimas atuais das doenças cardiovasculares (DCVs), com aumento de casos e mortalidade após a menopausa, e também as mais atingidas pela síndrome de burnout, resposta física e psíquica ao estresse do trabalho e ao excesso de atividades diárias.
Entre as condições que levam as mulheres às DCVs estão as comuns a todos – obesidade, tabagismo, diabetes, colesterol elevado, hipertensão, depressão etc. Quanto maior o número desses fatores combinados, maior a probabilidade de o sexo feminino sofrer com problemas do coração e acidente vascular cerebral (AVC).
Somam-se ao cenário particularidades do gênero. A depressão aumenta em mais de três vezes a chance de danos ao sistema cardiovascular das mulheres em relação aos homens, e é um dos sintomas do burnout.
Mas, vale destacar, elas não são a mesma coisa. A depressão é uma doença crônica, enquanto burnout é uma condição relacionada diretamente ao trabalho e caracterizada por três elementos centrais: exaustão emocional (sensação de desgaste); despersonalização (insensibilidade ou afastamento excessivo do público que deveria receber serviços ou cuidados) e menos satisfação profissional.
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O trabalho invisível das mulheres
Sabemos que nas famílias, apesar de termos carreira ativa, na maioria das vezes recaem sobre nós as responsabilidades domésticas, incluindo organização da casa e os cuidados com filhos e idosos. Estes fatores explicariam porque Burnout é predominante no sexo feminino.
Pesquisa da Women in the Workplace, de 2021, concluiu que 42% das entrevistadas tinham sintomas pertinentes à síndrome.
A Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) publicou um suplemento completo sobre o tema em sua revista científica.
A publicação traz artigos sobre as doenças cardiovasculares em mulheres; dos riscos aos conceitos, passando pelas particularidades da investigação desta classe de patologias no sexo feminino e por estratégias de prevenção, em artigo sobre qualidade de vida, espiritualidade e burnout.
Uma coisa leva à outra
Especialistas da Socesp se debruçaram sobre diversos estudos, nacionais e internacionais, analisando a estreita relação entre burnout e as doenças cardiovasculares.
E não é difícil identificar os pontos de ligação. No ranking das causas do infarto, estão transtornos de ansiedade e depressão, que podem ser desencadeados por situações de estresse social e profissional.
Um levantamento comandado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Wake Forest (EUA) evidencia que aqueles com altos níveis de burnout têm 20% mais pré-disposição a desenvolver fibrilação atrial, que, quando não tratada, desemboca no AVC isquêmico.
Da mesma forma, o abalo emocional provocado pela síndrome predispõe ao aumento do colesterol ruim, dos níveis de glicose, de triglicerídeos, da proteína C reativa e da pressão arterial.
E a lista vai além: burnout promove hiperatividade do sistema nervoso simpático, inflamação sistêmica e anormalidades plaquetárias. A condição ainda prejudica as funções imunológicas, motiva alterações na coagulação e distúrbios do sono: tudo o que prejudica a saúde cardiovascular.
Em alguns casos, a ansiedade leva à compulsão alimentar, um gatilho para o sobrepeso e a obesidade.
Estratégias para a melhora
Com o objetivo de alertar a sociedade sobre esse “efeito dominó” provocado pelo burnout, a SOCESP reuniu algumas intervenções benéficas, que não requerem receita controlada ou remédios tarja-preta. A atividade física, por exemplo, contribui para afastar emoções negativas e, portanto, é uma boa pedida.
O canabidiol (CBD) também se mostrou eficaz no controle de burnout junto aos profissionais de saúde em um estudo do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina, de Ribeirão Preto (SP).
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A prática de yoga supervisionada durante 12 semanas foi bem avaliada na redução do estresse da equipe de enfermagem de um hospital em Delhi, na Índia. Além disso, o contato com a espiritualidade é um recurso para reagir ou evitar que este tipo de mal se instale.
A espiritualidade é definida como o conjunto de valores morais, mentais e emocionais que norteiam pensamentos, comportamentos e atitudes. Nunca é demais lembrar que o perdão, a gratidão e a solidariedade são exemplos de sentimentos nobres que, literalmente, fazem bem ao coração.
*Ieda Jatene é cardiologista, especialista em Cardiopatias Congênitas e Cardiologia Pediátrica. É a presidente da Socesp para o biênio 2022/2023. Salete Aparecida da Ponte Nacif é cardiologista do Hospital do Coração de São Paulo, diretora da Socesp. Suzana Avezum é psicóloga e psicanalista e diretora executiva do Departamento de Psicologia da Socesp.