Comissão nega entrada de medicamentos para obesidade no SUS
Semaglutida e liraglutida foram analisadas e rejeitadas. Enquanto isso, sistema público segue sem remédios contra uma das doenças que mais cresce no país

A obesidade é uma das maiores emergências de saúde pública do século XXI. Reconhecida como doença crônica pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ela atinge milhões de brasileiros e está diretamente associada ao aumento de casos de hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares e até alguns tipos de câncer.
Apesar disso, o Sistema Único de Saúde (SUS) continua sem oferecer qualquer medicamento específico para seu tratamento — uma realidade que acaba restringindo os pacientes a orientações de hábitos de vida saudáveis ou à fila de espera para cirurgia bariátrica, que já é longa e insuficiente para atender à demanda.
Na última semana, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) — órgão responsável por avaliar e recomendar a inclusão de novos medicamentos e procedimentos ao sistema público — decidiu pela não incorporação da liraglutida e da semaglutida para tratamento da obesidade.
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A decisão da Conitec
A análise considerou tanto as evidências clínicas quanto os impactos financeiros que os medicamentos poderiam gerar ao sistema de saúde.
No caso da liraglutida, utilizada diariamente por pacientes com obesidade ou sobrepeso associado a comorbidades, a Conitec reconheceu benefícios na redução de peso e no controle glicêmico em pessoas com diabetes tipo 2. Contudo, estimativas apontaram que a incorporação custaria mais de R$ 1,2 bilhão em cinco anos, valor considerado insustentável para o SUS.
Já em relação à semaglutida, aplicada semanalmente, estudos clínicos internacionais demonstraram redução de peso e até menor risco de eventos cardiovasculares em pacientes obesos. Mesmo assim, o impacto orçamentário estimado foi ainda maior: até R$ 3,4 bilhões em cinco anos.
Além disso, a comissão destacou incertezas sobre a duração do tratamento e riscos de reganho de peso após a interrupção. E convenhamos, evidências científicas robustas indicam que tratamento da obesidade deve ser contínuo, para a vida toda.
Em ambos os casos, embora os medicamentos tenham apresentado eficácia e segurança aceitáveis, a razão custo-efetividade e a sustentabilidade financeira foram decisivas para o parecer desfavorável.
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O vazio terapêutico no SUS
Com a decisão, o Brasil permanece sem alternativas medicamentosas para tratar obesidade pelo sistema público.
Atualmente, o SUS oferece apenas orientações relacionadas a alimentação equilibrada, atividade física e acompanhamento psicológico — medidas essenciais, mas insuficientes diante da complexidade da doença, que envolve fatores biológicos, genéticos, sociais e ambientais.
A cirurgia bariátrica segue sendo a principal alternativa para casos selecionados. No entanto, o procedimento tem critérios rigorosos de indicação e uma fila de espera que pode se estender por anos, expondo pacientes a riscos de agravamento das condições associadas à obesidade.
A decisão da Conitec reacende um debate central: o Brasil precisa ou não adotar uma política de Estado para prevenção e tratamento da obesidade em todas as idades?
Acreditamos que o enfrentamento da doença não pode continuar fragmentado. É necessário um plano nacional que envolva, dentre outras coisas, a educação alimentar desde a infância, nas escolas e comunidades; capacitação de profissionais de saúde para diagnóstico precoce e manejo multidisciplinar; políticas de acesso a alimentos saudáveis e restrições à publicidade de ultraprocessados; discussão sobre modelos de financiamento que viabilizem o acesso a medicamentos modernos, de forma sustentável.
Ignorar a obesidade significa ampliar o número de casos de diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e até mesmo mortes no futuro — condições que geram custos ainda mais altos ao sistema de saúde.
Ao barrar a liraglutida e a semaglutida, a Conitec deixou claro que a prioridade do SUS ainda é a sustentabilidade financeira. No entanto, a ausência de medicamentos disponíveis revela o quanto o país está atrasado no combate à obesidade.
O futuro do tratamento da obesidade no Brasil
Mais do que discutir fármacos individualmente, o Brasil precisa assumir a obesidade como prioridade em saúde pública e criar uma política nacional sólida de prevenção e tratamento. O custo de não agir será, inevitavelmente, muito maior.