Transplante em crianças: mais conscientização em meio aos desafios
Nosso colunista entrevista uma especialista em transplante para desmistificar e explicar a importância da doação de órgãos e tecidos no Brasil
Setembro é o mês de conscientização sobre a doação de órgãos e tecidos, e o Brasil é considerado um dos países que mais realizam transplantes. Infelizmente, com a pandemia, o número de procedimentos diminuiu por aqui e no resto do mundo.
De acordo com os dados do Registro Brasileiro de Transplantes (RBT), vinculado à Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), em 2020, o país registrou apenas 3 323 doadores efetivos de órgãos. No entanto, o número de pacientes em fila de espera ainda é muito maior que a demanda por doações.
A recusa familiar na hora da doação ainda é um grande fator limitante para o avanço do número dos transplantes e, segundo estimativas do Ministério da Saúde, em torno de 38% das famílias ainda são contrárias a ela. Quando a doação envolve crianças, então, a situação fica mais complicada.
Para esclarecer um pouco mais sobre esse tema, que precisa ser discutido por toda a sociedade, convidei para um bate-papo a Dra. Luiza do Nascimento Ghizoni Pereira, especialista em transplante renal do Sabará Hospital Infantil.
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Felipe Monti Lora: Qual é a maior dúvida dos familiares na hora de autorizar a doação de órgãos ?
Luiza Pereira: Os motivos são diversos, mas o principal ainda envolve a confirmação da morte encefálica do paciente, conhecida popularmente por morte cerebral. Muitas pessoas ainda esperam por um milagre, principalmente quando falamos sobre crianças. Mas, quando se chega a esse diagnóstico e a família é abordada, vários testes já foram realizados e a irreversibilidade do quadro está confirmada, caracterizando a morte do paciente. Então, diante da fatalidade irreversível, a doação de órgão poderá ser a forma de ressignificar aquela dor e salvar outras vidas.
Mas também tem os órgãos que podem ser doados em vida. Quais seriam eles, Dra. Luiza?
Alguns órgãos e tecidos realmente podem ser doados em vida, tais como rim, parte do fígado e medula óssea. No caso dos doadores com morte encefálica, isso passa a abranger, além de rins e fígado, órgãos como coração, pulmão e pâncreas, e tecidos como córnea, pele, ossos, cartilagem, válvulas cardíacas etc. Inclusive, uma única pessoa pode ajudar vários pacientes.
Para as crianças na fila de espera para o transplante de rim, como é realizada a distribuição dos órgãos doados ?
Há uma série de políticas que priorizam as crianças na fila, e a principal delas é que rins de doador pediátrico, aqueles menores que 18 anos, vão sempre para a lista de receptores menores de 18 anos. Isso faz com que as crianças fiquem menos tempo na fila e também recebam órgãos com maior qualidade e compatibilidade de tamanho. Quanto ao transplante, existem muitos outros critérios que precisam ser observados, já que a criança, como dizemos aqui no hospital, não é um adulto pequeno.
Qual é a maior fila de transplante pediátrico hoje?
O transplante renal é o mais realizado no Brasil, e também o responsável por 35% das crianças que estão na fila aguardando por um órgão. A principal causa de doença renal crônica na infância são as malformações renais, e no Brasil vivemos a triste realidade do atraso no diagnóstico.
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E qualquer pessoa pode realizar essa doação, Dra. Luiza?
Doar um órgão em vida é algo muito sério, exige muita responsabilidade por parte da equipe que determina a factibilidade da doação. É importante que, além da compatibilidade, o doador tenha excelentes condições de saúde, seja adulto e juridicamente capaz. Se o doador for um parente de até quarto grau não há necessidade de autorização judicial. Para doar órgãos após morte encefálica, além da autorização familiar obrigatória, o doador não poderá ter nenhuma contraindicação, como infecção grave ou contagiosa ou câncer, por exemplo.
Qual é a principal particularidade do transplante pediátrico?
As crianças são seres em evolução, crescimento e desenvolvimento. Além de uma cirurgia delicada, tem aspectos imunológicos específicos, questões nutricionais envolvidas, risco de infecções, além de uma longa trajetória a percorrer junto com o órgão recebido. Portanto, elas devem ser acompanhadas por uma equipe multidisciplinar altamente especializada e receber atendimento humanizado e planejado para que possam compreender o processo pelo qual estão passando, além do acolhimento e o apoio dos seus pais e família, com o objetivo de minimizar as dificuldades, manter a clareza, a tranquilidade e a segurança necessária no percurso.