Câncer? Não perca a cabeça
Campanha de conscientização sobre os tumores de cabeça e pescoço chama a atenção para necessidade de melhorar o diagnóstico
Quando uma pessoa perde a calma, é comum ouvir: “Não perca a cabeça!”. Mas esse ditado ganha um novo significado para as pessoas diagnosticadas com os tumores de cabeça e pescoço, como é o meu caso.
E é por isso que ele se tornou o slogan da 7ª Campanha Nacional de Prevenção do Câncer de Cabeça e Pescoço.
A iniciativa é da Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço (ACBG), que eu presido.
O alerta serve para que as pessoas façam o diagnóstico precoce e, com isso, não sofram com mutilações na face e deficiências funcionais na fala, na deglutição, na respiração…
Se somados, os tumores de cabeça e pescoço ocupam a quarta posição entre os mais incidentes no Brasil. Esse grupos inclui diferentes tipos – entre os mais comuns, estão os de cavidade oral (boca), laringe (garganta), tireoide e pele não melanoma no rosto e couro cabeludo.
Eu sou uma sobrevivente do câncer de laringe. Receber o diagnóstico assusta.
Só que a medicina evoluiu – e, com a descoberta precoce, muitos cânceres são curados. Nosso trabalho de conscientização é para ampliar a prevenção e aumentar o número de diagnósticos precoces.
+ Leia também: Novas fronteiras no cerco ao câncer
O câncer já é considerado uma doença evitável em diversos casos, por estar relacionado ao consumo de produtos ultraprocessados, ao cigarro (inclusive os eletrônicos, o narguilé…), ao alcoolismo.
Ou seja, quanto mais a pessoa fizer boas escolhas, mais distante do câncer ela fica.
A prevenção também envolve a melhoria de políticas públicas. Apesar das legislações e campanhas para reduzir o tabagismo, a indústria segue fazendo suas manobras.
Uma é tentar trazer cigarros com sabores que mascaram o gosto amargo da nicotina, o que tem atraído mais jovens. Precisamos fiscalizar o comércio dos cigarros eletrônicos que estão na “moda” entre os jovens, que aumentam as estatísticas de novos casos.
A conscientização para diagnosticarmos cada vez mais precocemente precisa ser feita não apenas com a população em geral, mas também com os profissionais.
Os dentistas, por exemplo, devem buscar lesões iniciais de boca, como manchas brancas ou vermelho-escuro, fissuras na língua ou bochecha. Infelizmente, nem todos os profissionais fazem essa varredura e falta capacitação, além da oferta de assistência no SUS.
Outro exemplo: os cânceres de laringe trazem rouquidão, tosse e dificuldade para engolir.
+ Leia também: O que você sabe sobre câncer de tireoide, boca e garganta?
Mas, quando o paciente vai ao posto de saúde com essas queixas, recebe a prescrição para antibióticos para as muitas “ites”. É importante ao menos cogitar a presença de um tumor, e eventualmente de pedir exemplos adicionais, como a laringoscopia.
Temos importantes conquistas, mas ainda há um longo caminho pela frente. A especialidade oncológica que lida com tumores de cabeça e pescoço sequer era mencionada na mídia até pouco tempo atrás. Resultado: a população desconhecia sua periculosidade.
Daí porque instituímos julho como o mês de atenção ao câncer de cabeça e pescoço.
A campanha instiga a cobertura da imprensa e ações das secretarias de saúde, que envolvem diagnóstico e cirurgia. Já é alguma coisa, mas isso precisaria acontecer o ano inteiro.
Conseguimos, como sociedade, incorporar a laringe eletrônica na tabela do SUS e fazer um reajuste no valor de reembolso da prótese de voz para o paciente que perdeu a voz pelo câncer de laringe.
Porém, esses avanços precisam ser cumpridos na ponta. Nosso trabalho de fiscalizar e cobrar não vai parar até que todas as vozes sejam ouvidas!
*Melissa Medeiros é presidente da Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço – ACBG Brasil.