O que o vídeo de Felca revela sobre os riscos da adultização de crianças
O viral alertou milhões de pessoas sobre um perigo não exatamente novo, mas desconhecido por muitas famílias

Nos últimos dias, um vídeo do criador de conteúdo Felca reacendeu o debate urgente da adultização das crianças na internet.
Ao comentar sobre perfis que expõem meninos e meninas em situações que ultrapassam a fronteira da inocência, ele mostrou algo que, infelizmente, já está normalizado, que é a superexposição infantil nas redes sociais, conhecida como sharenting, uma combinação das palavras share (compartilhar) e parenting (parentalidade), que descreve o hábito dos pais de mostrar excessivamente seus filhos na internet.
O problema não é novo, mas cresce a cada dia com o uso indiscriminado das redes. Adultização é quando uma criança é colocada em um contexto para o qual seu cérebro ainda não está preparado, por meio de imagens, falas, comportamentos ou interações que aceleram fases do desenvolvimento que deveriam acontecer no tempo certo.
A internet, nesse sentido, é um espaço que facilmente apaga a noção de limites. E o risco aumenta quando a exposição vira conteúdo e, pior, produto. É comum vermos crianças retratadas em momentos íntimos, chorando, em crises de birra, doentes, sem camisa, no banho, em poses que, embora pareçam inofensivas para a família, se tornam públicas e suscetíveis a interpretações e usos prejudiciais.
Isso fragiliza a segurança da criança e a expõe a um olhar para o qual ela não tem condições de consentir ou compreender.
Ao postar uma imagem ou vídeo de uma criança, perde-se totalmente o controle sobre onde esse material vai parar, quem terá acesso e de que forma será usado. É dever dos pais assumir a responsabilidade pela segurança digital dos filhos e não transformar sua imagem em moeda de troca por visibilidade ou ganhos.
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O cérebro infantil está em plena formação e absorve tudo ao redor, inclusive estímulos para os quais não está preparado. A exposição precoce à sexualização, por exemplo, ativa áreas cerebrais ligadas à sexualidade de forma inadequada, enquanto as estruturas responsáveis por autocontrole, compreensão emocional, autoestima e respeito ao próprio corpo ainda não estão maduras.
Essa exposição também causa confusão e distorção nos processos de identidade, interferindo no desenvolvimento saudável da criança. As consequências emocionais e cognitivas podem durar a vida inteira.
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Além dos riscos imediatos de abuso e exploração, dados do relatório global Disrupting Harm uma parceria entre UNICEF e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), revelam que 1 a cada 12 crianças no mundo já foi exposta a pelo menos uma forma de exploração ou abuso sexual online.
Esse dado reforça a urgência de proteger as crianças nos ambientes virtuais. Infelizmente, o que muitas famílias não percebem é que as redes sociais não foram feitas para crianças. Foram criadas para capturar a atenção de adultos e até mesmo nós, com todo nosso repertório, temos dificuldade de lidar com o excesso de estímulos, comparações e exposição.
Colocar uma criança nesse ambiente é como soltá-la sozinha em um lugar desconhecido e cheio de perigos, esperando que volte ilesa.
Proteger é mais do que colocar regras de uso. É resistir à tentação de transformar cada momento fofo em conteúdo. É lembrar que o que está em jogo não é engajamento, mas a integridade de um ser humano em formação. É reconhecer a criança como sujeito de direitos e não como extensão da vida adulta.
Não podemos normalizar que crianças sejam tratadas como mini-adultos ou como peças de marketing digital. Pode parecer inofensivo e momentâneo, mas um clique pode gerar consequências para a vida toda. Proteção não é exagero, é um ato de cuidado e responsabilidade.
*Priscilla Montes é educadora especialista em infância e adolescência
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