Assine VEJA SAÚDE por R$2,00/semana
Com a Palavra Por Blog Neste espaço exclusivo, especialistas, professores e ativistas dão sua visão sobre questões cruciais no universo da saúde
Continua após publicidade

Um novo jeito de encarar e viver o luto

Num momento marcado por tantas perdas com a pandemia da Covid-19, psicólogo reflete sobre os caminhos para vivenciar o luto

Por Rodrigo Luz, psicólogo*
7 ago 2021, 11h07
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Houve um tempo que se dizia que o luto tinha começo, meio e fim, e que, ao término desse processo, o enlutado poderia reinvestir sua energia em construir novos projetos e relacionamentos. No entanto, um modelo proposto por dois importantes pesquisadores tem desafiado, há pelo menos 20 anos, essa visão conservadora.

    Publicidade

    Margaret Stroebe e Henk Schut, ambos professores da Universidade de Utrecht, da Holanda, propuseram uma nova forma de se compreender o processo de luto, intitulado Modelo do Processo Dual para o Enfrentamento do Luto.

    Publicidade

    Enquanto os modelos tradicionais afirmavam que havia uma série de etapas, fases ou estágios que os enlutados viviam, geralmente culminando na “resolução” ou na “aceitação”, o novo modelo propõe que o luto é um processo que não é vivido por estágios, mas um percurso de adaptação e oscilação, um caminho dual.

    Tudo na natureza parece seguir esse mesmo caminho. O Universo, ao que parece, está se expandindo, e em algum momento se acredita que ele voltará a retrair. Quando se prepara para dar à luz a uma nova vida, o útero faz o movimento de se contrair e de expandir. Da mesma forma, quando depara com a dor colossal da perda, a pessoa enlutada faz um movimento semelhante.

    Publicidade

    Nos primeiros tempos de uma perda, com alguma frequência, a dor é bárbara, rasteja sobre a pele e é absolutamente incivilizada. O luto é um movimento de contrair na dor, na memória, na emoção, na saudade, no caos de um amor latejante. Mas ele também é um movimento de expandir, de se distrair, de fazer novos vínculos e projetos.

    Há muitos autores que defendem, na literatura especializada, que o luto não acaba, e concordamos com essa visão. No entanto, é importante enfatizar que o luto não se resume a tristeza ou saudade, mas envolve todas as dimensões do indivíduo — física, psicológica, social ou espiritual. É um processo complexo, para o qual não existe um guia infalível. O luto é um antiestabilizador, que se recusa a ser contido e que corre como um rio, devendo ser respeitado em seu curso próprio.

    Publicidade
    Continua após a publicidade

    + Luto e Covid-19: o que os gestores devem saber

    A dor às vezes não diminui, mas a pessoa enlutada pode desenvolver a musculatura para carregá-la e suportá-la, tornando-se mais forte. Aos poucos, o indivíduo passa a ter recursos para lidar com seu coração inexoravelmente partido, e reaprende a viver, compreendendo que ele é, sim, maior que a dor.

    Publicidade

    Numa época que nos obriga a construir rapidamente significados para o sofrimento, que nega a tragédia vivida até a medula pelos enlutados, temos que abandonar a ideia de que existem respostas fáceis e que a árdua tarefa de se reinventar pode ser feita com receitas mágicas que façam toda a dor ir embora.

    No dicionário do luto, não há espaço para palavras como “superar”, “ultrapassar” ou, pior ainda, “encerrar”. O termo “encerramento” se aplica bem a contas bancárias, e não a um coração partido pela dor nada bonita de uma perda irreparável.

    Publicidade

    Em nosso caminho, temos ajudado muitas pessoas em sua travessia pelo luto, e temos advogado individual e institucionalmente para que todas as pessoas tenham respeitado o seu direito de viver esse processo à sua maneira, em seu ritmo, segundo suas próprias regras. É para assegurar o direito de sentir que temos trabalhado, dedicando nossas vidas para que todo profissional de saúde e toda a sociedade participem desse grande movimento de educação, de cuidado e de transformação social em relação à vida e à morte. Temos muitas mãos, mentes e corações conosco nesse importante projeto.

    Continua após a publicidade

    E tudo começa pelo reconhecimento de que o luto é um terreno sagrado que pertence a cada indivíduo enlutado, e o que nos compete é acompanhá-lo em sua travessia, ajudando-o a recrutar ou a desenvolver recursos para lidar com um processo que levará uma vida inteira para ser vivido — sendo possível, assim, seguir em frente, reconhecendo sua força e potência.

    Mas dá para ser feliz de novo? Depois de uma perda, a felicidade é com frequência alcançada quando abraçamos, do nosso jeito e segundo nossas próprias regras, o horror e o amor, o propósito e a falta de sentido, as grandes dores e pequenas felicidades, e seguimos dizendo “sim” aos nossos dias, por amor a quem vai e a quem fica, ao que foi e ao que está por vir, num tempo sem começo, meio e fim.

    * Rodrigo Luz é psicólogo, especialista em perdas e luto e fundador do Instituto Pallium Brasil

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Domine o fato. Confie na fonte.

    10 grandes marcas em uma única assinatura digital

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 2,00/semana*

    ou
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba Veja Saúde impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 12,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.