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Transplante de fezes: por dentro de um método promissor

Transferência de micro-organismos de um paciente para outro pelas fezes é alvo de pesquisas e já é realidade no tratamento de algumas doenças

Por Alessandro Silveira, microbiologista*
Atualizado em 30 abr 2021, 18h33 - Publicado em 30 abr 2021, 15h30
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  • Vamos começar direto ao ponto: o transplante de fezes é a transferência de bactérias intestinais de um doador saudável com o objetivo de proporcionar benefícios à saúde do receptor.

    Apesar de soar estranho para muitos, a ideia por trás do procedimento remonta há milhares de anos. O primeiro registro sobre seu uso está em um dos mais antigos textos de medicina, encontrado em uma antiga tumba na China e chamado “Cinquenta e duas fórmulas de tratamento”. Estima-se que o documento tenha sido escrito em 770 a.C. O transplante fecal foi denominado ali “suco de ouro” e indicado para desintoxicação do organismo.

    Desde então, a transferência de fezes de um doador sadio para uma pessoa doente tem ocorrido de maneira bastante rudimentar. O primeiro trabalho descrevendo esse procedimento foi escrito em 1958 e, no Brasil, o primeiro transplante foi realizado em 2014. Hoje, a tecnologia evoluiu bastante: as fezes diluídas podem ser administradas utilizando sonda nasogástrica, mas normalmente são introduzidas via colonoscopia, procedimento invasivo que só pode ser realizado por um médico habilitado.

    O método consiste na transferência de micro-organismos de uma pessoa para outra, a fim de restabelecer o equilíbrio da microbiota intestinal. Como os resultados obtidos por meio da alimentação e/ou uso de probióticos são lentos, o transplante é uma maneira natural, rápida e efetiva de modificar uma microbiota desequilibrada.

    Mas quando seria indicado o transplante de fezes? Uma maneira interessante de responder a essa pergunta é verificar quantos ensaios clínicos (testes utilizados para entender se um medicamento ou procedimento médico realmente funciona) estão sendo conduzidos ao redor do mundo, registrados oficialmente no site Clinicaltrials.gov.

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    Em pesquisa realizada no dia 8 de abril utilizando o termo “fecal microbial transplantation”, foram encontrados 321 registros, com 41 indicações clínicas diferentes. Dentre as indicações, podemos citar colite ulcerativa, síndrome do intestino irritável, doença do enxerto contra o hospedeiro, obesidade, colonização intestinal por bactérias multirresistentes, autismo, depressão, constipação, hepatite não alcoólica, Alzheimer, entre outras. No exterior, aliás, a técnica já vem sendo aplicada em várias dessas condições.

    Mas, se o transplante de fezes pode ser útil como adjuvante no tratamento de tantas patologias com características diferentes e exibe resultados promissores nas pesquisas, o que o impede de ser realizado com mais frequência? O grande entrave para sua utilização em larga escala ainda é a segurança biológica.

    Imaginar que uma pessoa, ao receber esse material repleto de micro-organismos, possa acidentalmente adquirir doenças, não é nada absurdo. Para garantir que isso não ocorra, alguns cuidados precisam ser garantidos. A triagem de doadores, a fim de verificar algumas condições básicas de saúde, se faz necessária.

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    Indica-se, por exemplo, que sejam realizados testes em cinco etapas — se não passar na primeira, não avança para a segunda, e assim por diante. Nelas são aplicados questionários sobre hábitos e o histórico de saúde do doador, testes laboratoriais para detectar micróbios patogênicos, exames físicos do paciente, entrevista com psicólogo e sequenciamento genético do microbioma.

    É importante salientar que nenhum transplante, nem mesmo uma transfusão sanguínea, é 100 % seguro. Nem por isso devem deixar de ser realizados em face do benefício que podem oferecer, melhorando a qualidade de vida das pessoas. Atualmente, o transplante fecal é autorizado no Brasil apenas no tratamento de infecções intestinais graves causadas pela bactéria Clostridioides difficile.

    A história do transplante de fezes no Brasil está apenas começando. É uma técnica simples e barata que, desde que realizada por profissionais capacitados e com a devida segurança biológica, pode trazer inúmeros benefícios à população.

    * Alessandro Silveira é PhD em microbiologia, professor universitário e autor de O Lado Bom das Bactérias (Editora Gente) – clique para comprar

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