Remédio ou cirurgia? Tratamento da obesidade pode incluir os dois
Tratamento da obesidade deve ser multimodal, com espaço para diferentes tipos de abordagem que se complementam
A obesidade é uma doença crônica, complexa e multifatorial que afeta milhões de pessoas em todo o mundo, representando um dos maiores desafios de saúde pública.
Além de estar associada a complicações graves como diabetes tipo 2, hipertensão arterial, apneia do sono e doenças cardiovasculares, ela também impacta negativamente a saúde mental e a qualidade de vida, perpetuada pelo estigma contra a doença, que ignora suas bases genéticas e metabólicas.
Entre as intervenções disponíveis, a cirurgia metabólica e bariátrica é o tratamento mais eficaz para a obesidade grave e suas complicações. Procedimentos como o bypass gástrico e a gastrectomia vertical promovem perda de peso sustentadas e remissão de doenças associadas, como diabetes tipo 2.
O mais fascinante é que estudos mostram que esses benefícios muitas vezes ocorrem independentemente da perda de peso, graças às alterações hormonais induzidas pela cirurgia.
No entanto, sendo a obesidade uma enfermidade crônica e reincidente, nem todos os pacientes alcançam resultados ideais, e alguns podem apresentar reganho de peso a longo prazo. Assim como no câncer, onde múltiplas modalidades terapêuticas são usadas em conjunto, a obesidade pode exigir uma abordagem integrada para otimizar e manter os resultados.
Avanços recentes introduziram medicamentos como semaglutida e tirzepatida, que têm demonstrado eficácia em perdas de peso superiores a 15%, além de benefícios no controle glicêmico e redução do risco cardiovascular. Embora promissores, esses medicamentos têm limitações, incluindo respostas variáveis e descontinuação devido a efeitos colaterais.
É nesse contexto que a combinação de medicamentos e cirurgia se apresenta como uma estratégia robusta para maximizar os resultados. Recentemente a Federação Mundial de Cirurgia para a Obesidade (IFSO) publicou no British Journal of Surgery, novas diretrizes que orientam sobre como integrar essas abordagens:
- Terapia neoadjuvante: medicamentos podem ser usados antes da cirurgia para reduzir o peso inicial e os riscos perioperatórios.
- Terapia adjuvante: após a operação, eles ajudam a manter a perda de peso e a prevenir reganho.
- Diminuir casos de revisão cirúrgica: remédios podem ser prescritos antes de novas intervenções em casos de resultados insatisfatórios.
Interessante salientar que estudos com forte evidência cientifica mostram que pacientes submetidos à cirurgia bariátrica e metabólica apresentam maior eficácia e menos efeitos colaterais ao usar medicamentos do que aqueles que não passaram pela cirurgia.
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Apesar do potencial, desafios permanecem. Faltam estudos de longo prazo que avaliem a eficácia e segurança da combinação, além da necessidade de critérios claros para seleção de pacientes. A superação do estigma também é crucial, pois a obesidade é frequentemente mal compreendida como “falta de força de vontade dos portadores da doença”.
Estamos numa era de transformação no tratamento da obesidade. A integração de medicamentos e cirurgia representa uma abordagem personalizada com potencial para melhorar significativamente a saúde e a qualidade de vida de milhões de pessoas. O momento de agir é agora.
*Ricardo Cohen é head do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e Presidente Global da Federação Mundial de Cirurgia para a Obesidade (IFSO)