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Psicanálise: em Freud, tudo acaba… ou tudo começa?

Questões sexuais e traumas na infância são pontos centrais da forma como Sigmund Freud preconizava a psicanálise

Por Maíra Marcondes Moreira, psicóloga e psicanalista*
19 jan 2024, 08h22
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A psicanálise é frequentemente alvo de controvérsias  (Ilustração: Julia Lopes/Veja Saúde)
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A pergunta do título é boa para iniciar esta conversa. Inaugurada por Sigmund Freud (1856-1939) em 1905, a psicanálise já foi alvo de ovações e de críticas, mas quase nunca de indiferença. Mais de um século depois, permanece sob os holofotes e sob o crivo de distintos públicos, que seguem questionando-a enquanto teoria e prática.

Fonte permanente de incômodos, dentre os principais dilemas aos quais a psicanálise se vê voltada estão as questões sexuais e os traumas de infância. Daí advém, em grande parte, o desconforto gerado por ela: é duro pensar na infância como um período traumático e, pior ainda, vislumbrar que parte da sexualidade pode ter origem nessa mesma fase da vida.

Podemos não gostar disso, mas Freud não recua nesse ponto. O neurologista e psiquiatra austríaco debatia, em tempos de moral vitoriana, a vida sexual no imaginário das crianças — processo que tem sua importância na constituição psíquica do sujeito.

Em meu último livro, Freud e o Casamento: o Sexual no Trabalho de Cuidado (clique para comprar), discuto justamente como os próprios cuidados na lida com as crianças, por mais ternos e assépticos, deixam marcas. Alvos de atenção frequente, os bebês são muito manipulados e exigidos — um processo acompanhado de toda sorte de afetos transmitidos pelos pais e responsáveis.

Tal investimento na infância produz também uma excitação no aparelho psíquico da criança, que ainda não tem como digeri-lo. Mas o mesmo vale para os adultos: para elaborarmos alguns acontecimentos de grande intensidade, precisamos não só de tempo, mas de recursos, de palavras que nomeiem as nossas experiências.

+Leia também: A psicanálise na era dos novos extremismos

O traumático está ligado à forma como sentimos essas excitações que, tantas vezes, só serão classifcadas e entendidas a posteriori. O trauma, sob essa perspectiva, não tem a ver necessariamente com algo ruim.

Engloba uma situação que provoca a liberação de muitos afetos e a rememoração dela — pois o que não se elabora num primeiro momento tende a retornar um dia. É, portanto, munido de apoio e recursos que o sujeito poderá, mais tarde, construir uma narrativa que o ajudará a se desvencilhar de um mal-estar.

A grande questão aqui é que é preciso ouvir o paciente primeiro. Ao analista, não cabe a condução do sujeito e de suas queixas, mas da análise em si, e isso só é possível escutando o outro. Assim como quem ouve, quem fala também pode se ver surpreendido por aquilo que vem à tona.

A forma como cada um irá dar destino às suas questões, sejam elas sexuais ou traumáticas — e isso se porventura existirem —, é única. Ou seja, para a psicanálise, o sujeito não é consequência imediata de sua história de vida e de suas decisões conscientes.

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Então, respondendo à pergunta do título, melhor seria dizer que “em Freud tudo acaba e começa na fala”. A psicanálise é um exercício constante de se permitir ser surpreendido pela plasticidade e inventividade com que cada sujeito, falando de si, se torna protagonista de sua história — mesmo que existam pedras no caminho.

*Maíra Marcondes Moreira é psicóloga e psicanalista, doutora pela PUC-MG e autora do livro recém-lançado Freud e o Casamento: o
Sexual no Trabalho de Cuidado (Autêntica)

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