A pandemia do coronavírus resultou em mais de 8 milhões de pessoas infectadas no Brasil, sendo que o número de óbitos no país já ultrapassa 210 mil. Como consequência, acompanhamos embates políticos, corrida pela imunização e mobilização da população para que o Estado garanta o efetivo direito à saúde.
O risco de infecção pelo vírus Sars-CoV-2 despertou interesse dos cidadãos sobre temas até então restritos aos pacientes com enfermidades crônicas, profissionais de saúde e especialistas da área jurídica, tal como o papel da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na avaliação de eficácia por ensaios clínicos controlados e aprovação, mesmo diante de prévio registro de órgãos internacionais.
Em decorrência do senso de urgência, de modo a conter a disseminação e o agravamento da Covid-19, a comoção popular impulsionou a criação da Lei nº. 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento dessa emergência de saúde pública.
Pela primeira vez na história, o senso de coletividade prevaleceu e a Anvisa emitiu a autorização excepcional e temporária das vacinas, sem o prévio registro, em razão da ausência de alternativa terapêutica, sendo recomendado o uso devido à pandemia, ao aumento de casos e à ausência de um medicamento eficiente contra a doença.
Contudo, não vislumbramos a mesma celeridade para outras terapias e condições, que são obrigadas a suportar a famigerada morosidade dos órgãos públicos, notadamente da Anvisa, responsável por avaliar a incorporação de remédios e tecnologias na área da saúde no Brasil.
Apesar da agilidade da medicina em inovar para cuidar dos pacientes, as barreiras burocráticas tornaram-se um impedimento para acesso a terapias comprovadamente eficazes que podem, até mesmo, obstar a progressão de moléstias e alcançar a cura.
Nesse sentido, no ano de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) criou novo obstáculo ao definir os parâmetros para o fornecimento dos fármacos importados sem registro na Anvisa pelo SUS. São eles: a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil, salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras, a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior, bem como a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.
Com a lotação dos hospitais, a população postergou os exames e cuidados com as demais enfermidades, por temor da infecção pelo coronavírus, reduzindo a possibilidade de uma detecção precoce de várias doenças graves.
Nesse contexto, a comunidade médica emitiu um alerta sobre um estudo, publicado no fim de 2020 no The British Medical Journal, evidenciando que, a cada quatro semanas de atraso no tratamento contra o câncer, os riscos de óbito aumentam em até 13%.
Diante disso, é crucial que os novos imunizantes tragam a esperança de resguardar a saúde e salvar vidas, deixando para trás a perspectiva sombria de 2020, bem como tragam transparência dos parâmetros utilizados nos processos de incorporação dos órgãos competentes. Sobretudo porque inúmeros pedidos de drogas oncológicas estão parados e não poderão ser contemplados no uso emergencial, mesmo com respaldo médico internacional.
* Tatiana Kota é advogada especializada em direto à saúde do escritório Vilhena Silva Advogados, em São Paulo