Enquanto a medicina reconhece há muito tempo que o hábito de fumar está ligado ao surgimento de pelo menos 50 doenças — entre elas a disfunção erétil e tumores de rim e bexiga —, uma parcela da humanidade parece andar na contramão das recomendações. Dados recentes da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) indicam que, apesar de uma queda nos números, mais de 12% da população brasileira ainda fuma.
Tanto o tabagismo ativo quanto a exposição passiva à fumaça estão implicados no maior risco de problemas de saúde que vão de infarto a tumores agressivos como o de pulmão. Na urologia, uma das doenças mais frequentes e letais associada ao cigarro é o câncer de bexiga, que, quando atinge a camada muscular do órgão, leva à morte em pelo menos 50% dos casos.
Não é à toa que a World Bladder Cancer Patient Coalition instituiu maio como o Mês Mundial do Câncer de Bexiga, e a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), em apoio à campanha, destinou uma série de ações visando esclarecer a população sobre os efeitos nocivos do cigarro, tanto no surgimento dessa enfermidade como em outros aspectos da saúde urológica.
Há muito se reconhece a ligação entre o hábito de fumar e o aparecimento de cânceres urológicos, sendo o exemplo clássico disso o câncer de bexiga. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), a estimativa de novos casos para o período de 2020/2022 é de 7 590 em homens e de 3 050 em mulheres.
No nosso meio, o cigarro é o fator causal mais comum para o tumor. As substâncias químicas nocivas presentes no tabaco são absorvidas pela inalação e muitas delas são eliminadas pela urina, proporcionando um contato direto com as células que revestem o trato urinário, especialmente as da bexiga, onde a urina permanece por mais tempo.
Um detalhe traiçoeiro é que esse câncer não costuma produzir sintomas em seu início, podendo o primeiro indício ser a presença de sangramento indolor na urina, às vezes invisível a olho nu, e detectado somente em exames de laboratório. Mesmo quando visível, por vezes é transitório, e o indivíduo acaba atribuindo a situação a uma passagem de cálculo ou ingestão de algum alimento ou medicamento. Quando produz sintomas, esses podem até se assemelhar aos de uma infecção urinária.
Outro câncer relacionado ao tabaco é o de rim. Igualmente traiçoeiro, sua detecção mais frequentemente tem ocorrido de forma incidental em um check-up ou em um exame de imagem por outras razões. Os sintomas, quando presentes, incluem dor ou desconforto na parte lateral do abdômen ou costas, inchaço abdominal, sangue na urina e perda de peso.
Segundo uma revisão em cima de 24 estudos envolvendo mais de 20 mil homens com câncer de próstata, os fumantes não somente apresentaram maior incidência da doença, como também a do tipo fatal, com um risco até 30% maior de morte do que os não fumantes. Vários mecanismos podem estar por trás dessa conexão: de mutações genéticas a alterações no metabolismo. Além disso, não é raro o fumante agregar outras comorbidades, como as cardiovasculares e as respiratórias, que comprometem a evolução em algum momento do tratamento.
Nem o pênis escapa dos efeitos do cigarro. Sabemos que o tabagismo aumenta o risco de disfunção erétil. Uma pesquisa publicada em 2020 por médicos turcos concluiu que o nível de exposição ao cigarro interfere diretamente na capacidade de obter e manter a ereção. A boa notícia é que parar de fumar leva à melhora da função sexual, favorecendo a dilatação das artérias e minimizando a obstrução dos vasos que irrigam o pênis. Quanto antes isso acontecer, melhor, pois os danos às vezes são irreversíveis.
Assim, seja para evitar um câncer, seja para preservar a vida sexual, a medicina não hesita em aconselhar: nunca é tarde e sempre vale a pena parar de fumar. E o melhor mesmo é nem começar.
* Karin Jaeger Anzolch e Roni de Carvalho Fernandes são urologistas e responsáveis pelo Departamento de Comunicação da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU)