A pandemia Covid-19 testou e continua testando a resiliência da humanidade e do planeta em que vivemos.
As pessoas foram forçadas a lutar contra um inimigo invisível, que causou centenas de milhões de hospitalizações, mais de 5 milhões de mortes e levou à produção de mais de 8,4 milhões de toneladas de resíduos plásticos em excesso.
A maior parte desse lixo foi gerada por hospitais que lutavam para salvar a vida de seus pacientes e era composta pelos mais diversos materiais, como máscaras cirúrgicas, luvas descartáveis, componentes dos kits de teste Covid-19, seringas, embalagens, produtos de higiene, garrafas de água, pratos e talheres descartáveis e até escovas de dente.
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Grande parte desse descarte foi enterrada em aterros. Uma pequena porção acabou incinerada, e quase 25 mil toneladas foram lançadas nos oceanos, sendo mais de 12 mil toneladas na forma de microplásticos – fragmentos de menos de 5 milímetros.
Embora mais difícil de se observar do que a contaminação com máscaras cirúrgicas ou garrafas plásticas, a poluição dos ambientes marinhos com microplásticos é considerada uma das crises ambientais mais críticas do século XXI.
O tema foi abordado durante a XI Reunião Anual do ILSI Brasil (International Life Sciences Institute do Brasil). Aparentemente inofensivas, essas partículas estão gradualmente, mas continuamente, se acumulando e persistindo nas águas superficiais dos oceanos.
Há um debate importante sobre a ameaça potencial que representam para a saúde humana, animal e ambiental.
Afinal, tem se tornado cada vez mais claro que esses poluentes estão entrando nas numerosas teias alimentares que sustentam a vida no planeta, e que podem retornar dos mares aos ambientes terrestres através do processo de aerossolização, resultando em contaminação atmosférica que pode viajar longas distâncias no vento.
Como se não bastasse, verificou-se ainda que os microplásticos se associam fortemente a outros poluentes ambientais, como antibióticos e metais pesados.
A colonização subsequente de microplásticos contaminados com antibióticos por bactérias resulta na formação de comunidades microbianas, conhecidas como biofilmes. São locais propícios para a troca de material genético – incluindo genes associados à resistência a antibióticos – entre as diferentes espécies que habitam esses “condomínios” microbianos.
Essas comunidades de bactérias resistentes a antibióticos são rotineiramente ingeridas por animais marinhos, incluindo peixes e crustáceos, que podem ser consumidos por humanos, mamíferos marinhos e aves.
Essa cadeia resulta na disseminação dos genes de resistência antimicrobiana e contribui para uma pandemia global que deve resultar, segundo as previsões, em mais de 10 milhões de mortes anualmente até 2050. Ora, se as bactérias ficam mais fortalecidas, teremos cada vez menos antibióticos disponíveis para combatê-las.
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A humanidade também contaminou o planeta com o vírus Sars-CoV-2 por meio de fezes produzidas por humanos infectados (sintomática e assintomaticamente).
Felizmente, apesar de liberar grandes quantidades de partículas virais em praticamente todos os rios do planeta, até agora não houve nenhuma evidência convincente da transmissão fecal-oral do vírus entre humanos ou para outras espécies animais.
Em contraste, durante 2020, vários países relataram casos de visons de criação infectados diretamente por humanos por via respiratória e, posteriormente, eles foram mostrados como uma fonte de novas infecções humanas.
O estudo do Sars-CoV-2 e da Covid-19 representou um desafio para cientistas que lidam com pacientes infectados; para aqueles que buscam a origem do vírus e/ou procuram exemplos de infecção em animais direta ou indiretamente por humanos; e também para os que desejam revelar os impactos óbvios e ocultos da resposta humana à pandemia no planeta.
No entanto, embora seja possível estudar cada um desses aspectos isoladamente, é claro que, para entender completamente como essa pandemia aconteceu e o que seus impactos significarão para o planeta em longo prazo, a humanidade deve abordar esse fenômeno usando o conceito de uma saúde única, em que a o bem-estar humano, animal e ambiental podem e devem ser vistos como representantes de componentes indivisíveis do mesmo sistema interconectado que chamamos de Terra.
*Douglas McIntosh é microbiologista e professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro