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O labirinto de quem convive com uma doença rara e autoimune

Mulher com neuromielite óptica reflete sobre os desafios que englobam as manifestações da doença e o acesso a um tratamento de qualidade

Por Marcela Mustefaga, psicóloga*
Atualizado em 17 mar 2022, 17h09 - Publicado em 17 mar 2022, 16h40
doenças autoimunes raras
Protocolos definidos e obtenção das medicações são desafios para pacientes com doenças raras.  (Foto: Mitchell Luo/ Unsplash/Divulgação)
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Certa vez me perguntaram: “Como é ter uma doença autoimune como a sua?” Confesso que um filme passou pela minha cabeça. Os sentimentos se misturavam e muitas emoções surgiram. As lembranças vieram por meio de várias cenas: os primeiros sintomas, as dores, muitos e muitos exames, o diagnóstico, os medos, as sequelas, as dificuldades da adaptação, os possíveis tratamentos, o desconhecido…

Agora eu tinha um novo “normal”. E uma simples pergunta abriu um labirinto na minha mente, com inúmeros corredores e, tantas vezes, becos sem saída.

Quem já se aventurou em um labirinto sabe da ansiedade inicial que toma conta. Um misto de animação com a vontade de vencer e de não se dar por vencido. À medida que percorremos o caminho aparecem as dificuldades. A mente dá um nó e você se confunde, questionando se já passou ou não por aquele corredor.

A angústia vem. A fragilidade também. A dúvida faz a gente parar e avaliar as possíveis rotas. Qual o melhor lado? Para onde ir agora? O que fazer? A intuição e a coragem aparecem com respostas rápidas e você pensa: “Não dá pra voltar porque eu nem sei o caminho de volta. É preciso seguir”.

E foi assim que eu respondi como é ter uma doença autoimune rara: “É difícil, tem dias bons e ruins, mas principalmente é cansativo pelas lutas que precisamos travar”. Penso que essas lutas são de uma vida toda, pois a cada momento algo diferente nos pega e nos revira.

+ Leia também: Não podemos deixar de batalhar pelos pacientes raros na pandemia

É preciso ter calma e perseverar. Enfim, se a ideia é viver bem e com saúde, a luta vai com a gente até o fim. É assim com todos os inúmeros corredores desse labirinto chamado vida, mas, para quem tem uma doença autoimune, o labirinto apresenta outras emoções.

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Meu labirinto, o de alguém que convive com a neuromielite óptica, tem nuances que mudam com o tempo. As paredes (ou dificuldades) não são estáticas: elas se moldam, apresentam novos desafios e a gente precisa se adaptar muitas vezes. Como se o labirinto tivesse vida própria.

É como se você estivesse caminhando, seguindo bem sua vida, com os altos e baixos naturais, mas aí algo novo surge abrindo mil corredores para você passar. Alguns são escuros, outros estreitos, outros parecem não ter fim. A realidade de uma pessoa que convive com doença autoimune é assim.

Nós não sabemos o que virá no dia seguinte. As crises ou surtos, como são chamadas as manifestações da neuromielite óptica, vêm de repente, de surpresa mesmo, mudando o percurso que estávamos fazendo. Para quem não sabe, essa condição autoimune causa problemas na visão e mesmo em outras partes do corpo.

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Quando penso nos corredores sem saída, me vem à mente uma rota que talvez seja uma das mais sofridas: a de um paciente sem acesso ao tratamento. É como conviver com um desafio sem solução, sem perspectiva. É viver a angústia de não saber se irá melhorar ou piorar.

Nós vivemos um momento em que nunca valorizamos tanto estudos e evidências científicas, nunca na história colocamos tanto à prova como as medicações são necessárias e fazem a diferença.

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No caso das doenças raras, faltam medicamentos específicos, mas também pesquisas e apoio governamental. No Brasil, ainda não temos um Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para neuromielite óptica.

Isso significa que a maioria dos pacientes tem acesso às medicações por meio de “mentiras”. Os médicos precisam dizer que temos esclerose múltipla ou outra doença para nos enquadrar no sistema e termos acesso ao limitado tratamento disponibilizado.

A sensação que temos é que não existimos. Falta alguém que nos enxergue em nossa totalidade. O direito a um PCDT é apenas o início da nossa luta. Um papel timbrado, assinado e publicado que diga o caminho a seguir nesse labirinto escuro da vida de uma pessoa com uma doença rara. Afinal, ter um tratamento é a chance de viver com mais possibilidades e poder, assim, caminhar com mais segurança e dignidade.

* Marcela Mustefaga é psicóloga e membro do NMO Brasil

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