O planeta Terra está literalmente derretendo nos últimos anos. Devido ao aquecimento global, inúmeras catástrofes naturais, como enchentes, tempestades e incêndios, têm sido mais frequentes, enquanto a infraestrutura dos países se mostra cada vez mais frágil.
Paralelamente, sabemos que as altas temperaturas exercem um impacto importante no bom funcionamento de órgãos como coração, cérebro, rins e fígado. As ondas de calor pelo globo e os meses de verão em países tropicais como o nosso acarretam uma elevação da temperatura corporal, que pode atingir níveis próximos de 40 ºC.
Nosso sistema nervoso tem a capacidade de perceber essas variações térmicas, como se tivéssemos um termômetro interno. A questão é que, apesar dos avisos constantes de temperatura central elevada, chega um momento em que o organismo passa a se ressentir.
Estudos indicam que, considerando uma temperatura central do corpo em torno de 33 ºC, com as mudanças climáticas cerca de 508 milhões de pessoas terão de enfrentar um acréscimo de 1,5 ºC, 789 milhões apresentarão um aumento de 2 ºC e 1,2 bilhão deverão vivenciar uma elevação de 3 ºC na temperatura corporal nos próximos anos.
Essa hipertermia é capaz de gerar um processo inflamatório sistêmico, fenômeno que pode evoluir para complicações como falência renal e disfunções respiratórias, circulatórias e neurológicas. Temos um quadro que chamamos de rabdomiólise, uma lesão muscular provocada pelo calor excessivo que faz liberar no sangue uma enorme quantidade de mioglobina. Esta é uma proteína que prejudica a filtração sanguínea pelos rins, contribuindo para a insuficiência renal.
Outra repercussão significativa da hipertermia corporal são distúrbios de coagulação, que chegam a ocorrer em 50% dos casos.
Temperaturas exacerbadas são um perigo tanto durante a prática de exercícios como no repouso. O calor acima do normal propicia estresse físico prolongado, contração muscular fora de controle e maior resposta inflamatória.
Um aspecto interessante é que cada vez mais os casos de hipertermia corporal têm sido diagnosticados em grupos de pessoas que executam menos atividades físicas intensas, como crianças e idosos. Especialmente entre eles, o quadro pode levar à hospitalização em razão da desidratação profunda e maior suscetibilidade a infecções.
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Um dos desafios atuais para a ciência é detectar precocemente os casos de sobrecarga térmica. Os pesquisadores buscam, por exemplo, biomarcadores identificados por exames de sangue que podem apontar as disfunções orgânicas associadas a essa condição, permitindo que medidas de contenção sejam prontamente implementadas.
Um marcador já usado na prática clínica pensando na coagulação e quem tem sido investigado no contexto da hipertermia é o D-dímero, proteína dosada no sangue.
Para remediar um caso de hipertermia corporal, costumamos recorrer a uma hidratação rigorosa, técnicas de resfriamento, uso de anti-inflamatórios e anticoagulantes etc. A ideia é repor as perdas de água excessivas e diluir a quantidade expressiva de toxinas e substâncias inflamatórias circulantes.
No início do ano, um estudo da Universidade Duke, nos Estados Unidos, propôs algumas questões acerca do impacto do aumento da temperatura corporal na saúde das pessoas. O trabalho argumenta justamente que precisamos entender melhor o que facilita a disfunção orgânica nesse cenário, como podemos intervir na inflamação e nas alterações de coagulação e a necessidade de buscarmos biomarcadores da severidade da sobrecarga térmica.
Os efeitos deletérios das mudanças climáticas certamente irão comprometer a qualidade de vida destas e das futuras gerações. O problema provavelmente mais direto do aquecimento global será justamente a sobrecarga térmica (e seu rol de consequências). É fundamental, portanto, que políticas públicas sejam estabelecidas para proteger os grupos mais frágeis e vulneráveis a complicações, além das medidas ambientais.
* Edmo Gabriel é cardiologista e cirurgião cardíaco, professor universitário, palestrante e consultor científico