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Novo medicamento muda a vida de pessoas com fibrose cística; falta acesso

Tratamentos disruptivos como a terapia tripla estão transformando a evolução de doenças graves e melhorando a expectativa de vida de milhares de pessoas

Por Rodrigo Athanazio, pneumologista*
28 jul 2023, 10h15
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Novo medicamento pode alterar o curso de uma doença rara e grave que acomete os pulmões e outros órgãos  (VEJA Saúde/SAÚDE é Vital)
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A fibrose cística (FC) é uma doença rara, genética, grave e de caráter progressivo que pode colocar a vida do paciente em risco mesmo nos primeiros anos de vida.

Ela decorre de um erro na produção da proteína CFTR. Essa proteína forma um canal de cloro nas células, estrutura responsável por manter o equilíbrio dos íons no corpo humano, que é necessário para que haja uma adequada produção de muco e suor.

Nestes indivíduos, o suor torna-se mais salgado, surgindo daí o nome pelo qual a enfermidade era conhecida no passado: “doença do beijo salgado”.

Dizia-se que se a mãe sentisse esse gosto de sal ao beijar o filho, estaria amaldiçoada e perderia seu filho em poucos meses.

Além do suor, outras secreções no corpo também são alteradas como o muco produzido pelos pulmões, que se torna mais espesso.

Por conta disso, secreções ficam acumuladas nas vias aéreas, favorecendo infecções respiratórias recorrentes e bronquiectasias (danos irreversíveis com dilatação dos brônquios, estruturas fundamentais do pulmão).

Atualmente, a maior parte dos pacientes no Brasil falece antes dos 20 anos por insuficiência respiratória, caso não possam ser encaminhados para lista de transplante pulmonar.

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Outros órgãos, como pâncreas e fígado também podem ser acometidos, aumentando a complexidade da doença e seu manejo.

Ela acomete hoje um a cada 2,5 mil nascidos vivos no país, segundo dados do Ministério da Saúde.

+ Leia também: O retrato da fibrose cística no Brasil

Desafios no tratamento

Por se tratar de uma doença multissistêmica e progressiva, um dos maiores desafios do manejo da fibrose cística é a alta carga de tratamento aos quais os pacientes são submetidos.

Atualmente, diversas drogas estão disponíveis, com eficácia comprovada e ganhos tanto na qualidade como na expectativa de vida.

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Um dos pilares do tratamento é melhorar a retirada de secreção dos pulmões. Devido ao acúmulo de secreção espessa no órgão, são usados diversos medicamentos por via inalatória com intuito de fluidificar e dissolver o muco.

Outro aspecto fundamental é tratamento gastrointestinal e suporte nutricional.

Entretanto, para tentar manter a função pulmonar e de outros órgãos, estes pacientes recebem em média 4 inalações diferentes por dia e ingerem mais de 20 comprimidos distintos.

É importante ressaltar que todos estes tratamentos atuais focam no controle das consequências da doença. Os remédios agem controlando e retardando a progressão dos sintomas.

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O defeito primário da doença não é atingido por estes tratamentos.

Portanto, mesmo com todo esse arsenal terapêutico, apenas metade dos pacientes vive mais do que 40 anos no mundo.

No Brasil, os dados de sobrevida são piores, com menos de 30% dos pacientes fibrocísticos atingindo idade superior a 18 anos.

Novos horizontes

Atualmente, vive-se uma nova era no tratamento, com promissoras expectativas no manejo da doença.

Estão sendo estudadas drogas que agem especificamente em determinadas mutações genéticas, com o intuito de restabelecer a função da proteína CFTR.

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Desta forma, esses novos fármacos agem diretamente na causa da doença, com a possibilidade de alterar evolução natural da fibrose cística.

Em 2019, foi aprovada nos EUA a terapia tripla elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor, a primeira capaz de tratar de forma efetiva a mutação mais comum na FC, presente em mais de 60% dos pacientes.

O uso da terapia tripla mostrou elevados ganhos de função pulmonar e na melhora nutricional dos pacientes, assim como controle das infecções respiratória e dos sintomas.

Eficácia inédita

Imagine passar uma vida inteira tossindo diariamente e com os pulmões repletos de secreções, sempre cansado e com dificuldade de realizar até mesmo as tarefas mais simples do dia a dia.

Após 3 dias do início deste novo tratamento, os pacientes já relatam uma melhora expressiva dos seus sintomas.

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A secreção e a tosse desaparecem, a disposição melhora e o esforço física não mais é incapacitante.

A eficácia do tratamento é tamanha, que, após iniciar a terapia, os pacientes não conseguem mais comprovar a existência da doença através do teste do suor (que mede o quão salgado o suor é).

A função da proteína CFTR é restaurada e, a partir daquele momento, é como se a doença não mais existisse.

É claro que algumas sequelas permanecessem e alguns outros tratamentos precisam ser mantidos. Entretanto, o paciente passa a viver numa situação muito mais favorável.

Além disso, o uso da terapia tripla em estágios mais precoces da doença tem o potencial de até mesmo evitar que as consequências se estabeleçam ao longo dos anos.

Falta o acesso

No Brasil, a FC é diagnosticada com o teste do pezinho. Assim, temos a chance de garantir que milhares de indivíduos que convivem com essa doença possam voltar a sonhar com uma vida sem limitações.

Os benefícios clínicos com essa nova classe de tratamento são incontestáveis. Poucas vezes na medicina nos deparamos com um tratamento tão disruptivo e com potencial de alterar a evolução natural de uma doença tão grave.

O remédio atualmente encontra-se em avaliação pela Conitec, comissão que decide sobre a incorporação de drogas ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Medicamentos para doenças raras são conhecidos pelos seus elevados custos, visto que o processo de desenvolvimento é caro e poucos indivíduos são elegíveis ao tratamento.

Entretanto, precisamos lembrar que um dos princípios do SUS é a equidade. Equidade não significa tratarmos todos de forma igual. O princípio leva em conta que locais e pessoas diferentes têm necessidades diferentes. Por isso, soluções e esforços diferentes devem ser feitos de acordo com o contexto em questão.

A não incorporação de um tratamento tão eficaz e potencialmente modificador de tantas vidas é inaceitável.

A ação conjunta e uma proximidade entre os diversos participantes desse cenário são fundamentais. Governo, sociedades médicas, associações de pacientes e empresas farmacêuticas devem trabalhar juntas para trazer para a prática o que a ciência trouxe de avanço.

A fibrose cística é apenas um exemplo. Várias outros novos tratamentos para outras doenças raras também vêm sendo descobertos, com resultados igualmente promissores.

Ter uma condição de saúde debilitante é muito difícil. Pior ainda é saber que existe algo que pode ser feito e não o acessar.

* Rodrigo Athanazio é pneumologista e médico assistente da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração (InCor) – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

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