Tenho mais de 30 anos de clínica e me deparei, dia desses, com uma situação muito delicada. Um paciente pedindo que eu retirasse todos os seus dentes – independentemente se estavam feios, bonitos, brancos, amarelados, saudáveis ou não.
“Pode tirar tudo, por favor,” ele disse. “Não quero perder tempo tratando um dente ou outro. Já podem trocar tudo por dentes novinhos, brancos e certinhos”.
A gente nunca quer dizer ‘não’ para um paciente. Por isso, antes de responder, fomos aos fatos. Fizemos escaneamentos dos dentes, tomografias das arcadas dentárias, fotografias da face e da boca, e todo o processo de praxe que utilizamos aqui em nossas primeiras consultas para chegar ao diagnóstico.
E mostramos a ele: não havia necessidade de fazer algo tão radical. Mas essa não era a resposta que ele queria.
Na maré do imediatismo, cabe a nós, profissionais, colocar luz ao grande embaralho que as pessoas fazem entre o que é cuidar e o que é maquiar a saúde. Cuidar exige tempo, paciência e pesquisa. Maquiar é rápido e prático. E isso é muito preocupante.
Por exemplo, muitas assimetrias no rosto, desarmonias das arcadas dentárias e até mesmo marcas de expressão – como o famoso “código de barras” (aquelas rugas acima dos lábios), o sorriso invertido ou até mesmo as olheiras – podem vir de perdas ósseas na região da boca, diminuição no tamanho dos dentes ou mal posicionamento dentário, que dão aquela sensação de derretimento da face.
Prova disso é que, ao corrigir o tamanho dos dentes ou recuperar a altura da mordida, o rosto já ganha uma nova estrutura e a mudança é perceptível.
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O que vemos na realidade e, com cada vez com mais frequência, são resultados com certa deformação, pelo fato de muitos procedimentos não estarem seguindo o modus operandi daquele corpo. Se funcionalmente ele não está sendo respeitado, mais cedo ou mais tarde o preço cobrado será muito alto. É como reformar uma casa colocando um papel de parede. Não se sustenta.
Sou um defensor dos procedimentos estéticos. Encabeçamos aqui no Brasil os primeiros tratamentos com lentes de contato dentais e cerâmicas que chegam muito perto da sensação e da aparência dos dentes naturais.
Recebemos uma parcela significativa de pessoas da geração prateada e nos utilizamos dos recursos da tecnologia para cuidar do envelhecimento dos dentes, que chegam em forma de manchas, erosões dentárias e demais desgastes vindos do impacto do tempo.
Mesmo assim, antes de colocar lentes verificamos, por exemplo, se esse paciente não apresenta sinais de bruxismo ou apertamento dentário. Afinal, de nada adianta a estética se ele vai continuar rangendo e corroendo o esmalte. Aliás, um tema para outra conversa são as dores crônicas de cabeça e pescoço se não tratado esse tipo de problema antes de qualquer refino estético.
Em tempos de relacionamentos líquidos, no qual está cada vez mais escassa a visão a longo prazo, cabe pontuar que o imediatismo com a saúde é perigoso. Essa relação não deve ser efêmera.
Vamos viver muito mais que nossos pais e avós e, lá na frente, depender muito mais da funcionalidade de cada parte do corpo. Por isso, antes de partir por aí querendo mudar tudo e se “substituir” por inteiro, lembre-se que a maquiagem é uma grande aliada, mas é a última coisa que a gente faz antes de sair.
Sobre aquele paciente, não vimos mais.
*Marcelo Kyrillos é cirurgião-dentista e sócio fundador da clínica Ateliê Oral, existente há mais de 30 anos. Além de ministrar capacitações na área, é coautor de quatro obras especializadas como “A Arquitetura do Sorriso” (2012), e o “Sorriso Modelo – O Rosto em Harmonia (2004), entre outros.