Costumo dizer que o cenário de enfrentamento do HIV hoje é muito diferente do que se via há alguns anos, quando a infecção era quase uma sentença de morte.
Podemos citar dois marcos importantes no combate ao vírus da imunodeficiência humana (HIV) em nosso país: a introdução da terapia antirretroviral com distribuição gratuita pelo SUS e o acesso aos serviços de saúde especializados para prevenção e diagnóstico.
Isso abriu a perspectiva de pessoas com o vírus viverem mais e melhor, uma das grandes conquistas nessas quatro décadas que se passaram desde a identificação dos primeiros casos da infecção e da descoberta da aids.
Hoje é comum o paciente com HIV ter uma vida normal. O tratamento é seguro e eficaz, com uso e dosagem confortáveis e efeitos adversos mínimos. A expectativa de vida é a mesma de quem não tem o vírus. Além dos benefícios para a saúde, o acesso às terapias antirretrovirais permitiu que essas pessoas retomassem e concretizassem seus projetos de vida.
Segundo o último Relatório de Monitoramento Clínico do HIV, no final de 2021 havia aproximadamente 960 mil pessoas vivendo com HIV no país, das quais 89% estavam diagnosticadas e 82% faziam o tratamento com antirretrovirais. Das pessoas em tratamento há pelo menos seis meses, 95% atingiram supressão viral (carga virológica inferior a 1.000 cópias/mL) e 90% estão com o vírus intransmissível.
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Com esses números, o Brasil, que já era referência em diagnóstico e tratamento do HIV, entra na meta global do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) no critério supressão viral, que é de 95%.
Nesses 40 anos de avanços, foi possível observar uma menor incidência de outras infecções e a queda de mortalidade nos pacientes, o que possibilitou o envelhecimento dessa população. Tivemos um aumento significativo da população 50+ com HIV nas últimas décadas em todo o mundo.
O Relatório de Monitoramento Clínico do HIV de 2021 também mostra que, entre os brasileiros vivendo com o vírus hoje, cerca de 33% fazem parte da população acima dos 50 anos. Desses, 90% estavam em tratamento e 82% dos que estavam em tratamento haviam atingido supressão viral.
Acontece que, mesmo com essas conquistas, o envelhecimento também traz alguns desafios, como o maior risco de desenvolver doenças mais comuns com a idade, caso de hipertensão, colesterol alto, problemas cardiovasculares e renais. E a situação pode ser agravada em pacientes com HIV quando não fazem um acompanhamento médico correto.
Desse modo, precisamos olhar para o contexto global de atenção à saúde dessas pessoas. Os profissionais e o próprio sistema precisam estar preparados para ter um olhar integral e cumprir uma assistência qualificada.
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O indivíduo com HIV que vai às consultas e aos exames periódicos consegue manter a imunidade em dia e tratar outros problemas de saúde precocemente. Essa avaliação contempla a checagem da pressão arterial e da função renal, a triagem para depressão, entre outras análises importantes, e permite dar orientações de estilo de vida, como os cuidados com a alimentação e a prática de atividade física.
Olhar para as eventuais comorbidades, buscando diagnóstico e tratamento adequados, é fundamental, assim como fazer o monitoramento da carga viral. Podemos e devemos, como sociedade e rede de apoio, dar a devida atenção a esses cidadãos que hoje conseguem envelhecer com qualidade de vida, apesar do vírus. Essa é uma missão de todos nós!
* Álvaro Furtado é infectologista, médico assistente do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e integrante do Ambulatório de HIV/Aids do CRT/Santa Cruz da Secretária de Saúde de São Paulo