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Dor social: quando o sofrimento nasce da falta de empatia

Entenda como a falta de reconhecimento e as desigualdades sociais amplificam a dor crônica — e o que profissionais e políticas podem fazer para aliviá-la

Por Mariana Schamas-Esposel, cinesiologista*
13 out 2025, 04h00
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A dor pode provocar o isolamento social (Ilustração: Anna Cunha/SAÚDE é Vital)
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A dor não é apenas um fenômeno físico ou psicológico. Existe também a dor social: o sofrimento que surge quando há distância entre a percepção que o indivíduo tem de si mesmo e a identidade que precisa representar diante da sociedade.

Esse descompasso se expressa em diferentes formas. Um exemplo é a pessoa que vive uma determinada condição social e precisa constantemente aparentar outra para ser aceita.

Outro é quando alguém relata seu sofrimento e é desacreditado ou rebaixado por outros — inclusive por instituições ou profissionais de saúde. Essas experiências produzem instabilidade biológica, psicológica e social, ampliando ainda mais a dor.

O filósofo canadense Charles Taylor destaca que a identidade só se constitui plenamente quando há reconhecimento digno pelo outro. Negar esse reconhecimento é negar a própria humanidade. No cuidado em saúde, isso se traduz na importância de ouvir e valorizar o que o paciente relata.

O que ele sente e diz sentir é, muitas vezes, o dado mais importante para compreender e tratar a dor.

+Leia também: 13 perguntas que toda pessoa deve fazer ao seu médico

Quando a falta de escuta aumenta o sofrimento

Infelizmente, o que vemos muitas vezes é o oposto: profissionais que desconfiam, julgam ou negam o relato do paciente. Essa atitude aumenta a dor social.

Claro que a escuta crítica e a boa avaliação clínica são fundamentais, mas a pressa em julgar e concluir pode resultar em negligência. Reconhecer a possibilidade de exagero ou até mentira faz parte do processo avaliativo — porém, conduzir a proposta terapêutica ignorando o relato é perpetuar o sofrimento.

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Conflitos entre o “eu” e a identidade social

  • O homem alto e forte que não pode demonstrar sensibilidade;
  • A mulher que não pode fraquejar em reuniões dominadas por homens;
  • A pessoa homossexual que sente necessidade de disfarçar sua identidade;
  • O jovem negro que é revistado sem motivo;
  • A criança que assume responsabilidades de adulto;
  • O jovem com dor incapacitante desacreditado por ser “forte e novo”;
  • O idoso que gostaria de diminuir o ritmo, mas não tem condições financeiras.

    +Leia também: “Ela é mais forte”: estigmas sobre a mulher negra resultam em negligência

    Um exemplo concreto de dor social negligenciada

    Uma paciente do SUS vive com dor crônica há 4 anos. Trabalhou em serviços domésticos por 20 anos, mas está afastada. Enfrenta dificuldades financeiras, má alimentação, fome na família, falta de acesso à atividade física e sobrecarga de cuidar da filha e dos netos. Aguarda agendamento para procedimento e relatório médico a fim de receber auxílio.

    O profissional a avalia e julga: “preguiçosa, viciada em remédio, só quer benefício social”. Constata que ela não pratica exercício — pilar do tratamento — e, por isso, prescreve apenas um analgésico fraco, negando a documentação necessária.

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    A paciente, sem recursos para transporte, academia ou rede de apoio, fica desassistida. Esse é um exemplo concreto de dor social não reconhecida e negligenciada.

    Fatores sociais que influenciam a experiência da dor

    Pensando na dor social como parte do modelo biopsicossocial, a dor é definida como experiência sensorial e emocional desagradável com ou sem lesão.

    No entanto, os fatores sociais moldam intensamente essa experiência: condições socioeconômicas, privação, desigualdade, discriminação, estigma, traumas passados, redes de apoio frágeis e acesso precário a serviços de saúde.

    A dor social é, portanto, consequência do impacto da sociedade sobre a saúde do indivíduo. Podemos compará-la a um “processo inflamatório crônico da sociedade”: o ambiente em que a pessoa vive está doente e repercute no corpo e na mente de quem nele sobrevive.

    Como lidar com a dor social na prática clínica e social

    No modelo biopsicossocial, já se reconhece a importância dos fatores biológicos e psicológicos, ainda que com estigmas. O aspecto social, contudo, costuma ser deixado de lado, embora seja central na perpetuação da dor.

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    Com isso, penso em alguns caminhos possíveis e necessários para lidarmos com a dor social:

    • Educação em dor: incluir o tema em cursos de graduação da saúde para ampliar o conhecimento e reduzir o subtratamento;
    • Capacitação profissional: treinar equipes para reconhecer e manejar os aspectos sociais da dor com escuta qualificada;
    • Políticas públicas: criar programas acessíveis, equitativos e sem discriminação;
    • Olhar integral: entender o indivíduo em sua totalidade, considerando não apenas o sintoma “dor”, mas também os fatores que a alimentam.

          +Leia também: Descubra os 6 pilares essenciais para aliviar a dor de forma eficaz

          Por que reconhecer a dor social é um ato de humanidade

          Não subestime a dor de ninguém. Muitas vezes naturalizamos a dureza da vida e romantizamos a resistência: “ela é forte”, “ele aguenta”. Essa narrativa invisibiliza o sofrimento e legitima a falta de cuidado.

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          Precisamos mudar essa lógica. A dor social não é frescura, é realidade. Reconhecer e tratar essa dimensão é fundamental para aliviar o sofrimento e oferecer cuidado digno e integral.

          *Mariana Schamas-Esposel, BSc Kin é cinesiologista pela California State University, pós-graduada em dor e coordenadora do curso Dor e Movimento – Prescrição de Exercícios para Pessoas com Dor do HCXUSP.

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