Diferenças entre eutanásia, suicídio assistido e cuidados paliativos
Sempre que o assunto ganha destaque, acende-se o estopim de desinformação no país
A notícia de que o ex-ator francês Alain Delon, de 86 anos, teria optado por colocar fim a própria vida por meio de suicídio assistido, divulgada no último mês de abril, levantou questionamentos entre a imprensa e a comunidade médica.
O artista sofre as consequências de um acidente vascular cerebral (AVC) desde 2019 e, durante esse período, sua qualidade de vida foi severamente prejudicada.
A Suíça, país onde o ator mora, é uma das poucas nações em que o suicídio assistido é permitido por lei e a única nação que permite que estrangeiros – ainda que não residentes – realizem tal procedimento.
No Brasil, é comum que, assim que o assunto ganhe destaque na mídia, apareçam também confusões entre suicídio assistido, eutanásia e cuidados paliativos. Vamos, então, esclarecê-las a seguir.
Cuidados paliativos x eutanásia x suicídio assistido
Segundo a definição da International Association for Hospice and Palliative Care (IAHPC), cuidados paliativos são:
“Cuidados holísticos ativos, ofertados a pessoas de todas as idades que se encontram em intenso sofrimento relacionados à sua saúde, proveniente de doença severa, especialmente aquelas que estão no final da vida. O objetivo é, portanto, melhorar a qualidade de vida dos pacientes, de suas famílias e de seus cuidadores”.
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Em contrapartida, a definição de eutanásia e suicídio assistido varia de acordo com cada ordenamento jurídico que as legaliza. De modo geral, trata-se da abreviação da vida de um paciente que vivencia intenso sofrimento em decorrência de uma doença grave, incurável e irreversível.
A diferença é que, na eutanásia, o ato que abrevia a vida é provocado por outra pessoa, normalmente um médico. Já no suicídio assistido é o próprio paciente quem pratica o ato – se autoadministrar uma dose letal de um fármaco, prescrita por um médico.
O risco das associações incorretas
Associações incorretas entre cuidados paliativos e eutanásia foram apresentadas durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a Covid-19. Mas a verdade é que os cuidados paliativos não têm relação com esta prática.
À época, o debate acalorado trouxe à luz a falta de conhecimento e acesso aos cuidados paliativos para toda a sociedade, envolvendo questões sobre autonomia do paciente que, quando bem utilizada, garante que todos os cidadãos vivam de forma digna e sem sofrimento até ao final da sua vida.
É fundamental que os profissionais de saúde conheçam a diferença entre as práticas para garantir um tratamento digno a cada vez mais pessoas. Além disso, precisamos informar bem a população para que não haja confusão.
O que, portanto, explica a confusão?
Em países onde o suicídio assistido e a eutanásia são práticas permitidas por lei, a confusão com cuidados paliativos não existe como no Brasil. Isso se deve a diversos fatores, sendo a cultura um dos principais. Não temos o hábito de falar sobre autonomia e morte.
Sendo a morte um tema escamoteado, por consequência não se fala sobre cuidados paliativos, eutanásia e suicídio assistido, que são tidos como crimes pela lei brasileira e também um ato imoral, pensando na doutrina judaico-cristã. É “errado” pensar nisso, já está posto.
Outro ponto crucial para que o assunto seja posto de lado por aqui: a imaturidade democrática do debate público.
Em populações onde a democracia está consolidada, os diálogos públicos sobre temas polêmicos ocorrem de forma mais natural. O que não é o caso do Brasil. Aqui ainda não há espaços para discussões democráticas sobre temas controversos que, acabam, invariavelmente, sendo alvo de brigas ideológicas.
Como fazer a discussão andar
A elaboração e aprovação de leis, especialmente sobre questões polêmicas e controvérsias que dizem respeito à autodeterminação, precisam ser um desejo da população. Não há até o momento, contudo, nenhum movimento organizado da sociedade civil com o objetivo de legalizar a eutanásia e o suicídio assistido.
Quando falamos do suicídio assistido em casos como o de Alain Delon, não estamos falando de cuidados paliativos.
Na visão de quem atua com cuidados paliativos, fica evidente que a discussão de forma rasteira e superficial do assunto apenas colabora para desinformar sobre uma prática que auxilia no aumento da qualidade de vida de pacientes graves e de todo ambiente ao seu redor.
Devemos concentrar esforços na elaboração de políticas públicas, na aprovação da especialidade nas profissões, na educação multiprofissional antes e depois da faculdade e no financiamento de iniciativas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Tudo para que pessoas em sofrimento tenham acesso ao melhor cuidado o mais cedo possível. Do contrário, eutanásia e suicídio assistido serão práticas que facilitarão a mistanásia [morte evitável, provocada por falta de atendimento] e não a dignidade até o fim da vida.
*Douglas Crispim é médico geriatra, com doutorado na temática dos cuidados paliativos pela USP e presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP); Luciana Dadalto é consultora jurídica especializada em saúde, bioeticista, e membro da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP)