Decisões judiciais obrigam planos a custear tratamento integral do autismo
Tratamento multidisciplinar faz diferença para os portadores do transtorno do espectro autista e convênios limitavam acesso. Mas isso está mudando
A sociedade está vivenciando momentos de temor, sobretudo por causa da pandemia e da insegurança econômica, que desencadeiam um sofrimento psicológico intenso e impactam severamente grupos mais vulneráveis.
Entre tantas vítimas, a crise do coronavírus causou retrocesso no tratamento dos portadores de transtorno do espectro autista (TEA), uma vez que muitos sofreram com a interrupção ou até a inviabilização dos cuidados especiais, seja pela restrição social, seja pelas limitações impostas pelos convênios médicos.
O TEA é considerado um distúrbio incurável, causado por um déficit no desenvolvimento neurológico, caracterizado especialmente por padrões de comportamentos restritos, movimentos repetitivos e dificuldade de interação social com diversas escalas de severidade.
O atendimento multiprofissional precoce, intenso e prolongado é essencial no desenvolvimento das habilidades e da interação social, principalmente nos casos de grau leve, garantido pela Lei nº. 12.764/12, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, além da Portaria nº 324/2016, do Ministério da Saúde, que estabelece o protocolo clínico e diretrizes terapêuticas do comportamento agressivo no TEA.
Cabe apontar que a Lei dos Planos e Seguros de Saúde assegura a cobertura obrigatória para as doenças listadas na CID 10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde), sendo que o transtorno global do desenvolvimento, do qual o autismo é um subtipo, está inserido no capítulo quinto.
No entanto, os beneficiários de planos de saúde deparam com restrições em matéria de tratamento, em razão da determinação contida na Resolução Normativa da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) nº 428/2017, que impõe limitações no atendimento de psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e fisioterapeutas nesse contexto.
A postura adotada pela operadora mostra-se abusiva, na medida em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou decisão em que cabe somente ao médico a escolha da terapia adequada a resguardar a vida do paciente.
Recentemente, uma vitória foi conquistada pelas famílias em razão de uma decisão proferida na Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a ANS, que concedeu o número ilimitado de consultas e sessões para tratamento de pacientes com TEA no estado de São Paulo. Liminares proferidas em Alagoas, Goiás e Acre contra a limitação de sessões com psicólogo, terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo também criaram precedentes para que pacientes buscassem seus direitos na Justiça.
Pressionada, a ANS, em reunião neste mês, decidiu estender o benefício das decisões para todas as regiões do país. Com isso, nenhum plano de saúde está autorizado a limitar a cobertura de sessões de psicoterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e fisioterapia para os pacientes com transtorno do espectro autista em tratamento.
Desse modo, a decisão não somente derrubou barreiras no tratamento multidisciplinar, mas minimizará os obstáculos e desafios enfrentados diariamente pelos portadores de TEA e seus familiares. Só um desenvolvimento adequado criará oportunidades que garantirão sua efetiva inclusão social.
* Tatiana Kota é advogada especializada em direito à saúde do escritório Vilhena Silva Advogados, em São Paulo