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Como o aquecimento global está (des)moldando a vida na Terra

Disseminação de espécies invasoras e destruição da biodiversidade local cobram um preço alto do equilíbrio ecológico, repercutindo até na economia

Por Fabrizio Marcondes Machado, zoólogo*
Atualizado em 29 jul 2025, 09h41 - Publicado em 29 jul 2025, 09h39
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Espécies invasoras vão de caramujos de água doce a águas-vivas (Ilustração: Carol D'Avila/Veja Saúde)
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As mudanças climáticas e as invasões de espécies invasoras estão entre os maiores problemas ambientais do século 21. Esses dois fenômenos já foram observados em vários tipos de ambiente, tanto terrestres como aquáticos, incluindo os oceanos.

No entanto, a relação entre eles ainda não é totalmente compreendida pelos cientistas — e, por vezes, ignorada pela população. Acontece que tudo isso tem, sim, a ver conosco.

Uma das principais preocupações é que o aquecimento global crie condições que favoreçam ainda mais as chamadas espécies invasoras. Isso significa que elas podem se adaptar melhor a um novo clima e território do que as espécies que já vivem ali. Com isso, crescem mais rápido, se reproduzem mais cedo e competem de forma desigual com as nativas.

Nessa disputa, as espécies locais perdem espaço e podem até ser extintas. Já vimos essa história…

A substituição gradativa e a destruição da biodiversidade local, por sua vez, criam um ambiente cada vez mais homogêneo. Assim, aos poucos, vamos perdendo toda aquela variedade de formas, tamanhos e cores que foram moldados ao longo de milhões de anos de evolução.

Só que há um desafio para comprovar o elo entre esse processo e o aumento da temperatura global. Afinal, ele exige anos ou décadas de acompanhamento por meio de estudos complexos. Ainda assim, muitos desses testes já foram conduzidos com diferentes tipos de organismo — plantas, pássaros, peixes e até invertebrados, incluindo insetos e moluscos.

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Os resultados, em sua maioria, mostram um padrão claro: as mudanças no clima têm ajudado espécies invasoras a se espalhar mais rapidamente, enquanto as nativas acabam perdendo espaço.

Entre águas-vivas e caramujos

Entre os muitos casos já documentados, o da medusa-juba-de-leão (Cyanea capillata) chama a atenção. Essa água-viva está entre as maiores do mundo, podendo atingir impressionantes 37 metros de comprimento.

Embora não seja classificada como uma espécie invasora no sentido tradicional, uma pesquisa indica que ela pode expandir significativamente sua área de ocorrência no Ártico até o final do século devido ao aumento da temperatura das águas e à redução do gelo marinho.

Essa expansão provocaria mudanças importantes na cadeia alimentar da região. Isso porque essa água-viva se alimenta de ovos e larvas de peixes, como o bacalhau polar, uma espécie-chave no ecossistema ártico. Com o aumento da predação nos estágios iniciais de vida dos peixes, populações inteiras podem sumir do mapa, comprometendo o equilíbrio ecológico local.

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Outro estudo recente mostrou que, para uma população do caramujo-de-água-doce (Pomacea canaliculata), à medida que a temperatura da água aumentava, esses moluscos herbívoros comiam mais.

Então, usando esses dados aliados a modelos matemáticos, foi possível estimar que, se a temperatura média subir 2°C nas regiões mais frias onde essa espécie vive, o caramujo poderá aumentar em mais de 20% sua atividade alimentar ao longo do ano. Isso significa que ele deve se tornar ainda mais agressivo como invasor.

Apesar dessas evidências, é preciso ter em mente que detectar espécies invasoras (ou com esse potencial) nem sempre é tarefa fácil. Temos de entender em profundidade como elas vivem e se comportam. Um bom exemplo desse trabalho envolve o pequeno molusco bivalve Theora lubrica, também conhecido como semele asiática.

Ele foi registrado pela primeira vez no Brasil em 2025, no Porto de Santos. Suas conchas medem no máximo 16 milímetros de comprimento, mas, apesar do tamanho, é considerado um dos piores moluscos invasores da Europa.

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Na Nova Zelândia, no fim da década de 1990, bilhões dessas criaturas foram encontradas em uma área portuária altamente poluída — mostrando que essa espécie tem uma incrível capacidade de sobrevivência mesmo em ambientes muito degradados.

Pequenos e grandes invasores

Outro caso curioso é o do inseto invasor Dendroctonus ponderosae, ou besouro-da-casca-de-pinho. Nativo da América do Norte, seu comportamento tem mudado drasticamente devido ao aumento das temperaturas. O besouro se alimenta da casca dos pinheiros, introduzindo um fungo que bloqueia o transporte de água e nutrientes na árvore. Com o tempo, isso mata o pinheiro.

Antes, os invernos rigorosos limitavam a propagação do besouro, mas, com verões mais quentes e invernos amenos, ele tem se espalhado por áreas maiores e mais altas, afetando vastas florestas. O aumento das infestações tem causado a morte de milhões de hectares de florestas de pinheiros, especialmente no Canadá.

Além de prejudicar o ecossistema local, isso também afeta a economia, já que as florestas de pinheiros são importantes para a indústria madeireira e para a absorção de carbono — mais um ponto para o aquecimento global.

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A essa altura, talvez você, leitor, esteja se perguntando: afinal, não somos nós, os seres humanos, os principais responsáveis pelas mudanças climáticas que estão alterando o ambiente e facilitando a propagação de espécies invasoras? Será que, no fim das contas, nós mesmos não seríamos um dos invasores mais nocivos do planeta?

A resposta mais provável é: SIM. Sabemos que somos uma espécie extremamente adaptável com grande capacidade de ocupar novos ambientes — e que se espalha rápido.

Desde o fim da última Era do Gelo, temos alterado a biodiversidade de praticamente todos os biomas do planeta, modificando ecossistemas inteiros e contribuindo para a extinção de muitas espécies.

E, mais recentemente, como se os impactos na superfície da Terra já não fossem suficientes, voltamos nossos olhos — e máquinas — para as profundezas do oceano. Lá, começamos a explorar os chamados nódulos polimetálicos: bolotas ricas em manganês, níquel, cobalto e cobre, elementos valiosos para a produção de baterias de carros elétricos.

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Sim, aqueles mesmos veículos que prometem um futuro limpo e sustentável. Mas, enquanto a propaganda vende a imagem de um planeta a salvo, a realidade é que estamos escavando o fundo do mar e colocando em risco ecossistemas que mal tivemos a chance de conhecer. É progresso? Ou seria mais um retrocesso?

* Fabrizio Marcondes Machado é zoólogo, mestre em ecologia, Ph.D. em biologia animal, pós-doutorado pelo Senckenberg Naturmuseum, na Alemanha, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Catálogo Taxonômico da Fauna do Brasil — Mollusca

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