Desde março de 2020, o mundo foi forçado a novos hábitos e a se acostumar com a ameaça trazida por um vírus potencialmente letal com a pandemia do coronavírus. Como há quase 15 anos pesquisamos com profundidade o comportamento humano e seus aspectos culturais e de consumo, não podíamos deixar de estudar quais foram as mudanças que o período pandêmico provocou nos lares brasileiros.
Conversamos, dessa maneira, com 20 representantes das classes A, B e C das cinco regiões do país, todos entre 15 e 63 anos de idade. As entrevistas contemplaram temas como saúde, alimentação, vida em sociedade, trabalho e estudo, espaço privado, consumo e busca por informação.
Realizado nos meses de abril, maio e agosto de 2020, nosso estudo, intitulado Em Suspenso – Reflexões sobre a Pandemia no Brasil, evidenciou diversas áreas impactadas na vida da nossa população. Podemos destacar que, no campo da saúde, cuidar do bem-estar passou a ser encarado como uma necessidade real de forma individual e coletiva – e que corpo e mente precisam se manter saudáveis nessa empreitada.
Para muitos dos entrevistados, essa foi a primeira oportunidade de se enxergar como pessoa, redefinindo hábitos relacionados a higiene e alimentação e até o contato com notícias, para preservar não só a saúde física mas também a mental.
Passamos a viver um “presente eterno”, planejando um futuro que não chega e congelando planos. Antes, o tempo era acelerado e tínhamos a sensação de que continuaria correndo ainda mais. De repente, surgiu a pandemia, obrigando-nos a enxergar nossas vidas através de outro prisma.
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Com isso, acessamos outras dimensões de cuidado com a saúde. Mais do que as consequências diretas que um cenário como o que vivemos há quase dois anos traz, vimos que o coronavírus fez o brasileiro entender a importância da saúde mental.
Todos os entrevistados, mesmo de diferentes classes sociais, foram unânimes ao exaltar a importância de ferramentas que os auxiliassem a manter o equilíbrio emocional, como meditação, exercícios online e atividades de lazer (coral, por exemplo). Mesmo os que não tinham repertório entendem a importância de estar com a cabeça sã para seguirem bem.
Vimos também que os homens, que ocupavam uma parcela mais descrente em relação aos cuidados com a cabeça, começaram a compreender o papel e a importância da psicoterapia. Ao se verem em uma situação mais ameaçadora, em que suas vidas estavam em jogo, enxergaram a necessidade de buscar um olhar mais atento sobre pensamentos e emoções. Esse olhar também se voltou para tentar contribuir com o bem-estar dos que estão em seu entorno.
A nova visão também repercutiu em como a população vem encarando os serviços públicos. Os entrevistados sofreram com o descaso dos governos e sentiram a necessidade de assumir individualmente cuidados com a saúde e a família.
Nesse contexto, dá para dizer que a população não consegue mais se imaginar sem um Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar da noção de que instituições públicas estão longe de seu ideal, seu esforço, ética e capacidade de colaborar com a sociedade em momentos de crise também foram enaltecidos pelos participantes. Isso se reflete não só na percepção dos que fazem uso desses serviços, como também dos que não precisam, mas que passaram a ter uma maior noção de empatia com o coletivo.
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O ser saudável ganhou mais importância do que o “ser fit”. O brasileiro começou a buscar novas formas de se equilibrar emocionalmente, enquanto lutava por uma gestão individual da saúde perante a crise sanitária. Os impactos da pandemia já viraram cicatrizes profundas em nossa população, em especial nas classes mais vulneráveis, expostas à crise socioeconômica. As respostas para esses problemas devem passar por maior acesso à educação e aos serviços básicos de saúde e por uma redução nas desigualdades que afetam o país.
* Dora Faggin é especialista em desenvolvimento social e sócia-diretora da Vox – We Study People, instituição que desenvolve pesquisas especializadas em comportamento e cultura contemporânea